terça-feira, 22 de maio de 2012

Eterna Paixão




​"A nossa é a geração que perfilhou a utopia e tentou dar-lhe corpo com uma energia só estancada pela difícil caminhada pela salvação do que é diferente. [...] Despidos já dos mitos, cientes das contradições. Preparados para os desafios que farão de nós a geração daqueles que ultrapassaram a utopia”. 

Carlos Lopes



O leitor, ao ler o romance “Eterna Paixão”, sente-se incitado a ter um desejo incontrolável de mudar a situação em que vive, caso esta seja má. Porque depois da leitura deste romance, nada mais será igual ao que fora anteriormente, pois o leitor tomará consciência do imenso poder que detém para mudar as coisas à sua volta.
A visão que nos é dada, à primeira vista de Dan, personagem principal da obra,  é a de um homem intrigado com a vida à sua volta. É como se tentasse encontrar explicação para o seu problema nas coisas mais simples que o rodeiam.

Até a mais simples suavidade de uma rosa o leva a cogitar sobre a sua harmoniosidade. Este facto também é bastante notório na cena em que ele se põe a contemplar o pôr do sol; entretanto distrai-se com os animais que passavam na rua e quando, de repente, retorna à sua contemplação, o sol já se foi; o que pode  constituir a metáfora, ou ainda a premonição de uma vida passada sem grande gozo. A tamanha solidão que assombra o seu dilacerado coração era desmesurada, o que o levava a sentir-se como que um “cadáver adiado”.

Já Ruth, esposa de Dan, mostra-se uma pessoa intolerante e presunçosa. Tem atitudes frias para com o marido. Parece ser uma mulher bastante ambiciosa, isto é, não escolhe meios para alcançar os seus objectivos.
Depois de Mark ter despertado o lado profundamente africano de Dan, este traça um plano, dentro no campo agrícola, em como ensinar a população a (sobre)viver com os seus próprios recursos naturais. Como um afro-americano que ele é, ele sente-se “engagé” com os problemas com que os seus conterrâneos têm-se debatido. Mas não serão todos os seus planos apenas realizáveis no domínio da utopia? Eis, a grande problemática de toda esta obra.

Mas como o próprio autor afirma, categoricamente, o objectivo fulcral de Dan é despertar o “Espírito de dignidade do africano”.

Quando Dan resolve pôr-se a pensar sobre o motivo que havia originado a deterioração do seu casamento com Ruth, ele, tristemente, não consegue encontrar uma razão concreta, visto que o problema deles já tinha constituído um enorme novelo sem ponta de início. Curioso, não?! Acontece que no momento em que ele pára para pensar, paulatinamente, ele vai-se  recordando apenas dos pequenos problemas que constituem o novelo. Isso é perfeitamente normal que aconteça, porque o problema nunca aparece sozinho, sempre traz consigo a amiga: “consequência”, que em muitos dos casos é implacável.

Ora, num casamento as coisas procedem-se do mesmo modo; para que as coisas dêem certas, é obrigatório que nenhuma das partes discure da sensibilidade do outro. Durante a fase do namoro existe mais a preocupação com o jogo da sedução que, por outras palavras, é das peças unificadoras da relação mais importantes. Posteriormente, segue-se a fase do casamento, que passado algum tempo, o casal põe de lado o jogo de sedução e passa a cultivar o jogo de segurança, isto no sentido em que os sentimentos, crêem eles, que já se encontram sedimentados e, que por isso, não precisam ser invocados com tanta insistência como na fase anterior; e é aqui que se situa o grande erro. Quer dizer, o casal deixa de sentir necessidade de ser amante do companheiro ou da companheira. Ah, mas nem imaginam eles o quão enganados se encontram.

Todavia, o que será que leva uma pessoa a trair o seu companheiro? Esta é uma questão bastante subjectica e complexa. No entanto, no caso de Dan e Ruth, pode-se chegar à triste conclusão de que a razão do “falecimento” do seu casamento situa-se no esquecimento, se não mesmo, no desprezo da manutenção e enriquecimento do pilar da relação – jogo de sedução.

Hoje em dia, traição quase que já faz parte da relação, porém existem diferentes tipos de traições: existem aquelas que são praticadas de um modo passageiro e sem nenhum sentimentalismo e outra, esta sim merecedora de preocupação, pois ela acontece, exactamente, quando o casal procede ao esquecimento do jogo da sedução e é aí que o traidor sente necessidade de encontrar noutra pessoa aquilo que não encontra na pessoa amada. E, assim, pode acontecer que esta nova relação perdure, ou então não, dependendo de como for gerenciada a anterior relação.    

À medida que Dan assistia degradativamente à morte do amigo, Embaixador Félix Kinsumah, a esperança de construir uma África melhor, que outrora o assolava, ia-se desvanecendo, também, lentamente, pois ele via ser condenado à morte um homem “grande”, digno e merecedor de um respeito a que não teve acesso. Dan via-se, então, desgostoso e desiludido com uma África em que ele tinha tanto apostado e sonhado. Para ele, a morte do embaixador constitui a prenúncio, anteriormente, feito por David, no quarto do Hotel Mariott em Atlanta, de que seria impossível aplicar todas as idéias progressistas que havia proclamado com tanta veemência.

A metáfora do quadro das “crianças sorrindo” é bastante eficaz e expressiva, na medida em que ilustra correctamente a visão ilusória que tentava confundir Dan, isto é, no momento presente, Dan já não conseguia contemplar o sorriso estampado na face das crianças do quadro, e este havia sido o motivo que o levara a comprá-lo. Talvez o desaparecimento do sorriso quisesse significar a indignação, mais do que isso, a tristeza que avassalava Dan e que até o próprio quadro conseguia pressentir e expressar. É como se o próprio quadro estivesse a partilhar, passionalmente, a dor de Dan.

Depois de ter sido espancado, Dan sentia-se desprovido de qualquer sentido existencial; o seu cérebro encontrava-se alienado a qualquer tipo de pensamento sobre o futuro. Perdera as esperanças... Para ele, a Pandora havia deixado brotar da caixa o mal que acaba com a esperança.

Neste mito grego, os Deuses quiseram castigar os homens por terem tido a ousadia de tocar em algo divino – chama de Hélio – que na óptica humanística, uma vez aprisionada numa caixa, seria a solução para todos os males que perturbavam os homens. Poder-se-á fazer analogia com a história de Dan porque, também ele, à semelhança de Prometeu, quis a todo o custo criar planos para cessar ou então diminuir os males que avassalam os africanos. Porém foi incompreendido por certas pessoas que, posteriormente, tiram dele o que mais havia de bonito e divino – a Esperança. No dizer do autor, tinham retirado de Dan até a própria alegria de viver. Didi, salvador de Dan, aconselha-o, após inúmeras conversas, a encontrar a sua verdadeira paixão e, consequentemente, a dedicar-se a ela lutando de uma forma árdua.

Dan viu em Woyowayan, tabanca de Mbubi, a oportunidade para pôr em práctica todas aquelas ideias que não havia conseguido concretizar na capital, graças à arrogância urbana. Ao mudar-se para lá, ele foi ao encontro da sua verdadeira “paixão”, que andava adormecida. A partir daquele dia, ele deixou de fazer parte do universo mundano, para transcender ao plano espiritual e ingênuo dos aldeãos. E uma das mudanças mais acentuadas e radicais encontra-se no facto de ele ter deixado, praticamente, de se chamar Dan, Daniel Baldwin, para passar simplesmente, mas honrosamente,  a ser um professor, alguém que sabia algo e que queria partilhá-lo com a população.

Ao voltar para a capital e prosseguir com mandato do Ministro da Agricultura, Dan provou a David, que afinal as suas idéias, outrora proclamadas numa mesclagem de sonho e eloquência, eram sim possíveis, tanto foi assim que, com muito esforço, ele conseguiu concretizá-los. Dan conseguiu provar, igualmente, à sua ex-amada esposa, Ruth, que não tinha desistido dos seus sonhos, como ela ousara um dia julgar. Ele levou os seus sonhos adiante, de modo que Ruth não encontrou mais espaço para a sua ambição desmesurada naquele país, que dava, naquele preciso momento, um grande grito de liberdade no silêncio das alvoradas. E, por fim, Dan conseguiu provar que não foi em vão que muitos dos seus compatriotas como Mark, Kawsu e o embaixador Kinsumah deram o seu esforço, suor, lágrimas e até morreram em prol desta causa tão nobre, que é a de prosseguir o “sonho de uma África próspera e desenvolvida.”

A mensagem do livro só é utopia enquanto não houver pessoas que a abraçem e a entendam no seu verdadeiro sentido; porque a partir do momento em que deixar de estar apenas no livro e passar a ocupar os neuróneos e os corações das pessoas, deixa de ser uma utopia, passando a ser Esperança, que constitui como que o oxigénio que mantém a Humanidade viva e unida. E o que fará um povo sem esperança de poder mudar, um dia, a sua miserável condição?
A esperança é uma luta árdua de quem quer atingir um determinado objectivo tem de travar. Um homem sem esperança encontra-se morto emocionalmente, pois a esperança é como que o sangue que mantém vivos aqueles que a querem.
O povo africano é imbuído de uma alegria esperançosa, que mesmo passando pelas vicissitudes maiores da vida, consegue sempre enfrentar o mundo e, consequentemente, os problemas com uma força enormemente fabulosa.

A esperança constitui como que um antídoto para os males do espírito e, foi esse antídoto que Dan tentou injectar em África, que se encontrava empestada pelo mal da corrupção que nos foi impingida, “civilizacionalmente”. Antes deles terem invadido o nosso inocente continente, nós não éramos capazes de nos vendermos uns aos outros; depois da dita invasão, tudo isso passou a ser possível com uma naturalidade inimaginável. No romance, não é identificado o nome do lugar onde se desenrola toda a trama, talvez com o intuito de não levar os leitores a ficarem vinculados à ideia de um lugar específico. Quer dizer, é como se o autor quisesse provar que esta história poder-se-ia ter passado em qualquer zona de África.

Este livro é como que uma receita de como se deve conduzir a vida de um maneira digna, corajosa e, acima de tudo, esperançosa, até mesmo naquelas alturas em que o sol parece nascer sorridente para todos, menos para nós, mesmo assim acreditar na mudança, na esperança, na bonança...

Todo o romance é marcado por um grande realismo que concede uma visão mais ampla de todo o objectivo desta verdadeira “chefs-d’oeuvre”. Ele será muito útil àquelas pessoas que pretendem encontrar as suas “eternas paixões”, porque abriga nele uma verdadeira lição de vida, de sobrevivência, de coragem, de sede de se atingir os ideais liberais e sociais, outrora proclamados na França de 1789, numa África magoada e adormecida nos tempos da Escravatura.

É urgente mais “Dan’s” para libertar a África-mãe e conceder-lhe outros filhos, para que se possa dar continuidade à sua primordial saga. Afinal, África fora nos confins do tempo, o Berço da Humanidade; portanto brancos e pretos são irmãos.

Uma questão que não posso deixar de levantar: Será Dan o alter-ego de Amílcar Cabral? Ambos lutaram arduamente para mudar o rumo porque África vinha sendo conduzido. Cabral queria tirar a África das mãos dos colonizadores e Dan ansiava libertá-la das garras dos governantes corruptos, no entanto, ambos tinham o mesmo objectivo: construir uma África, independente física e intelectualmente. Uma de outras características que os aproxima é a de que eram ambos agrónomos, tinham a ambição de acabar com a fome fazendo uso dos produtos da própria terra, isto é, sem ter de recorrer à ajuda dos brancos, que posteriormente era cobrado com juros fatais. “Quando precisamos deles, dão-nos uns tostões; quando precisam de nós, pedem-nos a vida!”

Porém, existe uma grande diferença entre estes dois seres tão ilustres: no caso de Dan, ele pôde visualizar a África com que tanto sonhara, ao contrário de Cabral, a quem lhe foi tolhida essa oportunidade, visto que foi, brutalmente, assassinado por aqueles que se diziam seu amigo.

Maimuna Gomes Sila