terça-feira, 1 de junho de 2004

É a incompetência, estúpidos (II)

Caro amigo,

Antes de me ir embora, depois de mais um dia de trabalho, não pude deixar de lançar um olhar pelos sítios de temática africana, e lá me deparei com o teu artigo “É a incompetência, estúpidos”. Fiquei sobressaltado, pois conheço o teu estilo, e fiquei com a adrenalina no ponto, mas acabada a leitura sinto-me tal como me senti no dia em que alguém (guineense), se sentou ao meu lado para me convencer a votar no PAIGC, e perante a falta de argumentos para desmontar ao raciocínio que construí, reagiu dizendo que tinha documentos (termo de compromisso que os bolseiros assinam antes de partir para os estudos) assinados por mim que poderia entregar no SEF, para não me atribuírem a nacionalidade portuguesa uma vez que tinha o processo de naturalização em curso.
Caro amigo a minha resposta veio pronta e num tom diferente daquele que sei que habitualmente usas: “Os documento foram assinados em Bissau por isso ninguém os poderia ter em Lisboa. Por outro lado não surtiriam efeito pois o meu processo fruto da concentração das minhas energias e da minha inteligência em coisas construtivas, em apenas quatro meses deixou de ser da competência do SEF, uma vez que a minha naturalização já vinha publicada no Diário da República, o que impressionou até aos funcionários do SEF pois foi tão rápido quanto o dos jogadores de futebol.”
Ora aí está uma situação que me permite, hoje, perceber o que sente uma pessoa que se concentra em construir, em ser empreendedor, criativo, inovador... e em marcar uma posição que permita ampliar o espaço de manobra de toda a comunidade africana e sem sombra de dúvidas abrir precedentes positivos e incutir mais espírito crítico às gerações futuras, perante agressões de indigentes com que temos que lidar hoje.
Pois digo com uma frontalidade equivalente à calma que geralmente procuro manter neste tipo de situação, que o berço faz a diferença, muita gente minha amiga saiu dos internatos do PAIGC (sem querer generalizar) e dos confins da Guiné, para ocupar o espaço deixado por pessoas como o Luís Cabral. Independentemente da cor da pele, há quem tenha outra visão do mundo, outra dimensão e estatura ética e moral, e é assim não por culpa de alguém, mas por obra e graça do destino que colocou alguns do lado dos que mais oportunidades e proximidade tiveram do conhecimento, da formação, da cultura e dos bons costumes, da ética, da moral, dos princípios, do carácter ... e ninguém se pode auto flagelar por ter tido tal sorte, antes pelo contrario. Peço a Deus que me coloque sempre do lado das oportunidades, e quando assim não for não procuro destruir tudo e todos, mas sim conviver e evoluir com e ao lado dos melhores. Porém, não se deve esperar essa postura daqueles que usurparam os destinos da Guiné-Bissau.
Gente cuja visão do mundo e da essência da vida, até há bem pouco tempo se resumia a conceitos associados a fenómenos como o “fanado”, a agricultura de subsistência, o casamento tradicional e polígamo, o toca-tchur, cancuram, cansaré.... ora com todo o respeito que tais conceitos merecem no contexto da nossa cultura, é uma forma muito redutora superficial de conhecer e abordar o mundo.
O meu amigo, quando deu conta de si como gente, já conhecia o rádio, o gira-discos, o leitor/gravador de cassetes, nem se deve lembrar como e quando aprendeu a ler pois foi algo natural no seu contexto familiar, tinha pessoas da família que já conheciam a metrópole... por isso tem a obrigação de não se deixar atingir por quem não tem dimensão para tal. Um abraço do Insolente


NR - Insolente, sabes bem que há coisas que eu não engulo. Se esse alguém fosse homem, ter-se-ia identificado para, assim, lhe ir às trombas!!! Sem espinhas. Vai dando notícias. Abraço amigo.