sexta-feira, 4 de abril de 2014

OPINIÃO: «Morreu Kumba Ialá, o grande 'perturbador' do passado recente da Guiné-Bissau»


Por João Manuel Rocha
FONTE: Público

Antigo Presidente da República, influente nas Forças Armadas, Kumba anunciou no início do ano o abandono da política activa. O dirigente do barrete vermelho teve papel central em várias perturbações vividas pelo país nos últimos anos.

Sob os holofotes ou nos bastidores, Kumba Ialá tornou-se, nas últimas décadas, nome incontornável da vida política da Guiné-Bissau, de que foi Presidente entre 2000 e 2003. Mesmo depois de ter sido deposto manteve-se como figura central da turbulenta situação político-militar e pré-anunciou o último golpe de Estado. Morreu esta sexta-feira, em Bissau, aos 61 anos, de paragem cardíaca. O médico pessoal disse que pediu para ser sepultado depois das eleições gerais marcadas para dia 13 de Abril.

O Presidente Kumba Ialá morreu. Morreu por volta da meia-noite, de paragem cardio-respiratória súbita”, informou um comunicado, citado pela Reuters, do Hospital Militar de Bissau, para onde foi transportado. Alfredo Malu, responsável pela segurança pessoal, afirmou à AFP que Kumba “sentiu-se mal na noite de quinta-feira” e morreu às primeiras horas de sexta-feira.

O político do barrete vermelho, sinal da sua importância entre os balantas, a maior etnia do país, com cerca 30% dos mais de 1,6 milhões de guineenses, distinguiu-se como defensor do multipartidarismo, no início dos anos 1990. Mas a imagem que deixa é a de orador de verbo fácil, populista, calculista. O seu nome fica associado a vários dos episódios de instabilidade vividos nos últimos anos pela Guiné-Bissau, o último dos quais o golpe de Estado que, em 2012, derrubou o Governo de Carlos Gomes Júnior, Cadogo.

Uma das frases do livro de pensamentos políticos e filosóficos que lançou em 2003 ajuda a compreender a imprevisibilidade, errância e capacidade de jogar nos bastidores quando não estava ele próprio no palco. “Em política, quando se adormece sossegado, acorda-se com tudo perdido”, escreveu.

Há dois anos, depois de, na primeira volta das eleições presidenciais, ter obtido 23,36% dos votos – contra 48,97% de Cadogo –, Kumba pré-anunciou o golpe de 12 de Abril, que deixou o país nas mãos de governantes não eleitos. “Não há segunda volta, nem terceira volta, porque não reconhecemos o resultado”, disse, dias antes da sublevação militar conduzida pelo chefe das Forças Armadas, o também balanta António Indjai. “Quem se aventurar a fazer campanha assumirá a responsabilidade por tudo o que aconteça”, declarou também.

Foi claramente instigador e preparador do golpe”, considera Xavier Figueiredo, director do boletim África Monitor, que classifica como “completamente perturbador” o papel de Kumba nos anos mais recentes da Guiné. “Politicamente comandou toda a situação entre o fecho das urnas da primeira volta e o golpe”, afirma Eduardo Costa Dias, investigador de assuntos africanos do ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa).

Filho de camponeses, nascido a 15 de Março de 1953, perto de Bula, no Noroeste da Guiné, Kumba afirma-se politicamente na fase de abertura ao multipartidarismo, no início dos anos 1990. Antigo professor da escola de quadros do partido único, o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), funda o Partido da Renovação Social (PRS), que se tornará na principal alternativa política. Dirigente em ascensão, vai ocupar um espaço de representação política balanta vago desde o fuzilamento, em 1985, de Paulo Correia, vice-presidente do Conselho de Estado.

O “trabalho de sapa” junto de chefes tradicionais balantas, a influência que ganhou sobre os militares da etnia e o apoio de alguns países da região, designadamente Marrocos, explicam, no entender de Costa Dias – que o descreve como “padrinho dos balantas” –, o peso adquirido na política guineense por Kumba Ialá.

Disputa sucessivas eleições presidenciais e chega a conseguir apoios que extravasam em muito a etnia de origem e não se esgotam no partido que criou. Em 2000 chega à Presidência. O seu mandato é marcado por agitação social e remodelações governamentais e acaba interrompido por um golpe militar, em Setembro de 2003.

Perda de peso eleitoral

Kumba não perde, mesmo assim, influência junto de vastos sectores da sociedade guineense. Continua activo. Mas os últimos resultados eleitorais indiciavam uma progressiva perda de influência eleitoral – entre as presidenciais de 2009 e as 2012 perdeu 6% do eleitorado, mas continua a ser ouvido, e seguido, incluindo nos sectores das Forças Armadas que fizeram o último golpe.

Em Dezembro passado, o político que gostava de viver no meio do povo, e há poucos anos se converteu ao islamismo, chegou a anunciar que concorreria de novo ao cargo de Presidente. Mas em Janeiro comunica o abandono da política activa. "Agora que me despeço não da política, mas de disputas e mandatos de cargos eleitorais, realço que não é necessário, que não é preciso, ter cargos para exercer a cidadania activa", disse.

OBITUÁRIO: Até lá, Presidente


Por: António Aly Silva

As divergências entre mim e o Kumba Yala eram um livro aberto. E colorido. Bom, às vezes eram a preto-e-branco, mas nunca, livra!, cinzentas. Nesse livro há muita filosofia, alguma barata com certeza, mas todas elas com a sua praticidade. Por exemplo, quem gosta de bricolage deve ter-se divertido de borla muitas vezes nestes últimos anos. Mas esse livro tem também coisas sérias. E divertidas. Porém, esse livro está agora fechado e nunca mais será aberto. Permanecerá um túmulo. Até lá, Presidente.

Koumba Yalá Kobdé Nhanca aka Mohammed Yala, foi uma figura. Ponto. Uma figura que se transformava em vários personagens que às vezes se tornavam incontroláveis. Mas Kumba era incontornável - uma das últimas, e talvez até a única figura 101% mediática da Guiné-Bissau. Para o bem e para o mal, talvez na mesma proporção, ou não. Qualquer selecção, já se sabe, é redutora.

Kumba foi um senhor doutor catedrático da controvérsia em pessoa. E excêntrico até no leito da morte, a julgar pelas palavras que terá proferido e que foram reveladas pelo seu médico e sobrinho: «quero ser enterrado só depois do resultado das eleições»... Mas Kumba era igualmente um manipulador nato. Mas era acima de tudo um homem inteligente. Um político astuto, populista e demagogo q.b. – bem ao estilo do Povo da Guiné-Bissau... Estávamos, por assim dizer, bem um para o outro.

Fui porta-voz da candidatura de Kumba Yalá nas eleições presidenciais de 2009, em que obrigou um Malam Bacai Sanha já de si desgastado, a uma estafante 2ª volta, mas que viria a perder para o candidato do PAIGC. Demite-me no dia em que os resultados da 1ª volta foram conhecidos e fiz questão de nem estar presente no Palace Hotel. Aguardei por ele no passeio da sua casa... Eu era porta-voz só no papel, e como eu não sirvo para papel de parede...e o resto é isso mesmo: história.

A intenção aqui não é lembrar nem o melhor e menos ainda o pior do Kumba Yalá. Todos temos defeitos e feitios - e é em vida que a batalha se faz. A intenção, aqui, é tão-somente homenagear um homem: Presidente Kumba Yala Kobdé Nhanca. Que faça a viagem da sua vida, com bom tempo ou com turbulência, mas com tranquilidade - a mesma que a Guiné-Bissau almeja há 40 anos. Porque a um morto nada se recusa.


MORTE de KUMBA YALA: PAIGC e o seu candidato às presidenciais, José Mário Vaz, suspenderam todas as acções de campanha estando a comitiva neste momento a regressar a Bissau. AAS

MORTE de KUMBA YALA: A partir da meia noite de hoje e até à meia noite de 2ª feira, o País observa três dias de luto nacional. AAS

MORTE de KUMBA YALA: Peter Thompson apela à calma

Peter Thompson, Coordenador do Grupo Parlamentar do Reino Unido para a Guiné-Bissau e Chefe da Missão de Observação Eleitoral Britânico, enviou as suas condolências para a família do ex-Presidente Kumba Yala.

Peter Thompson apela a todos os intervenientes nestas eleições que reflictam com calma sobre esta perda, com um sentido de dever nacional, acrescentando que “a melhor forma de prestar homenagem ao ex-Presidente seria ter uma campanha eleitoral pacífica e digna, onde a democracia é a vencedora”.

MORTE de KUMBA YALA: ONU mandou discretamente para casa todo o seu pessoal, mas entretanto pede calma...Eles lá saberão. AAS


MORTE de KUMBA YALÁ: «A maldição de ser presidente na Guiné-Bissau»


Apenas três dos dez Presidente e ex-Presidentes da Guiné-Bissau, entre eleitos, interinos, de transição, de unidade nacional em 40 anos de independência, estão vivos e dois deles permanecem afastados da política, num país que nunca viu concluir uma legislatura presidencial.

Com a morte, hoje, do ex-chefe de Estado Kumba Ialá, deposto em 2003 por um golpe de Estado militar após três anos na presidência na sequência das eleições de 2000, apenas estão vivos três políticos que se sentaram na cadeira presidencial. O atual, Serifo Nhamadjo, é apelidado de «presidente de transição» e assumiu a presidência após o golpe de Estado de 12 de abril de 2012; o homem a quem sucedeu, Raimundo Pereira, o único presidente interino que acabou deposto, e Carmen Pereira, há muito afastada da política. Lusa/CV

MORTE de KUMBA YALA/NOTÍCIA DC: Governo de transição decreta 3 dias de luto nacional pelo falecimento do fundador do PRS e antigo Presidente da Guiné-Bissau. AAS

MORTE de KUMBA YALA: Ramos Horta, Representante do secretário-geral da ONU na Guiné-Bissau Bissau, «apela à calma e ao respeito pelo desenrolar do processo eleitoral em curso no País. Que ninguém politize a morte do Kumba Yala». AAS

MORTE de KUMBA YALA: Portugal lamenta e pede que «não interrompa processo eleitoral»


O Governo português lamentou hoje a morte do ex-Presidente da Guiné-Bissau, Kumba Ialá, e pediu que o processo eleitoral continue a decorrer normalmente até às eleições do próximo dia 13, disse fonte do ministério dos Negócios Estrangeiros. Em comunicado hoje divulgado pelo ministério de Rui Machete, o Governo português "formula votos de que este trágico evento em nada venha a afetar o normal desenrolar do processo eleitoral em curso, que deverá culminar na realização das eleições previstas para o próximo dia 13 de abril".

As eleições gerais (presidenciais e legislativas) são "consideradas decisivas, pela comunidade internacional, para a estabilização e o progresso daquele país", acrescenta a nota. O Executivo expressa ainda as suas "condolências à família enlutada". Guiné-Bissau vive um período de campanha eleitoral com vista às eleições gerais de 13 de abril, sucessivas adiadas desde o ano passado, que será o primeiro ato eleitoral desde o golpe de Estado de abril de 2012.

O ex-Presidente da Guiné-Bissau Kumba Ialá morreu hoje, aos 61 anos, devido a problemas de saúde. O corpo encontra-se na morgue do hospital militar de Bissau, vigiado por militares. De etnia balanta, o político guineense fundou o Partido da Renovação Social em 1992, a segunda maior força política do país, e foi Presidente da República entre 2000 e 2003, tendo sido deposto por um golpe militar.

Kumba Ialá, que fez 61 anos a 15 de março de 2014, renunciou à vida ativa política a 1 de janeiro deste ano, alegando "haver um tempo para tudo", decidindo apoiar o candidato independente às presidenciais Nuno Nabian. Lusa

MORTE de KUMBA YALA: PM de Cabo verde diz que o momento é de «busca de soluções»


"Kumba Yala foi um presidente da Guiné-Bissau. Será sempre uma perda para aquele país. O importante neste momento é que toda a classe política guineense pense no diálogo, na tolerância, na busca de pontes para um grande entendimento nacional. Para uma grande reconciliação nacional. De modo a que todos se orientem no sentido da realização do bem comum, na busca dos caminhos da liberdade, da democracia, da paz e da estabilidade e da reconstituição do Estado de direito democrático para que haja condições para que a Guiné-Bissau possa relançar os alicerces do seu desenvolvimento", disse José Maria Neves ao saber da notícia da morte de Kumba Yala.

"Apresento as minhas condolências à Guiné-Bissau e à família enlutada. E será sempre um momento de reflexão para a busca de soluções para que os guineenses possam estar à altura dos sacrifícios consentidos durante a luta da libertação nacional. E também à altura do contributo de Amílcar Cabral para a libertação da Guiné e de Cabo Verde", acrescentou em Lisboa.

Frisou ainda que "independentemente do percurso de Kumba Yala, o que é importante neste momento é que se reflicta sobre os bons e maus momentos da Guiné-Bissau e se possa encontrar o melhor caminho. Guiné tem um povo extraordinário. Tem gente extraordinária. Tenho uma admiração grande por Guiné-Bissau. E, sobretudo, nós cabo-verdianos que devemos muito à Guiné-Bissau".

MORTE de KUMBA YALÁ: Últimas imagens




Últimas fotos de Kumba Yalá, na campanha do candidato presidencial Nuno Nabiam

MORTE DE KUMBA YALA/NOTÍCIA DC: Existem rumores de que Kumba Yalá morreu na sua casa, e que terá sido ASSASSINADO. Segundo uma fonte do DC, «vários vizinhos ouviram gritarias e choros» por volta das 2/3 horas da manhã, e questiona a razão de o corpo «ter sido levado à socapa para o hospital militar, onde permanece fortemente guardado, com o acesso vedado.» É preciso uma equipa de medicina legal internacional e independente para se apurar a causa da morte do fundador do PRS. AAS

MORTE de KUMBA YALA: Nuno Nabiam, candidato suportado pelo malogrado Kumba Yalá, suspende hoje todas as acções de campanha, mas retoma amanhã «com mais ânimo ainda», conforme revelou ao DC. AAS

MORTE de Kumba Yala: LGDH envia condolências


NOTA DE CONDOLÊNCIA

O país foi surpreendido esta sexta feira, 4 Abril 2014, com a morte súbita e prematura do ex-Presidente da República, fundador do Partido da Renovação Social, Dr. Koumba Yala.

Koumba Yala esteve na origem de algumas conquistas democráticas alcançadas pelo povo guineense e, enquanto político, proclamava os valores da paz, da democracia e do estado de direito.

Com o efeito, a melhor forma de render a justa homenagem àquele que foi um dos propulsores de abertura ao pluralismo democrático, é continuar a trabalhar para que os valores da paz e democracia sejam uma realidade na Guiné-Bissau.

Neste momento de dor e de tristeza, a Direção Nacional da LGDH endereça os seus sentidos votos de pesar à família enlutada, ao PRS e ao Povo guineense em geral, na convicção porém, que os ideais pelos quais lutou ao longo da sua vida política serão uma realidade.

Feito em Bissau, aos 4 dias do mês de Abril de 2014


A Direção Nacional