sexta-feira, 2 de abril de 2010

Abril, 2 - A verdade do dia de ontem

Dos enormes relógios no topo da torre de vinte metros dos Serviços de Meteorologia, ouviram-se 11 sonoras - e senhoras - badaladas, anunciando as 11 horas da manhã do dia 1 de abril do ano de 2009. Mas as badaladas eram uma mentira porque o relógio estava atrasado. A única verdade, aqui, é que o Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior estava já, por essa altura, sob custódia dos militares. Durante a sua detenção/prisão, o ministro da Administração Territorial, Luís Oliveira Sanca, foi violentamente agredido à coronhada por um dos militares. Resultado: pequenas escoriações e os óculos completamente partidos.

Os elementos da empresa de segurança privada MaSa, de serviço na portaria do edifício das Nações Unidas, em Bissau, viram chegar de repente uma carrinha 4x4. Esta encostou calmamente, sempre com o motor a trabalhar, e de dentro saíram quatro militares, fardados e armados com metralhadoras Kalashnikov. E com uma intenção apenas: «Viemos buscar o Bubo Na Tchuto. Onde é que ele está?».

Assustado, um dos seguranças (eram cinco ou seis) foi a correr para o interior do edifício para chamar alguém. Este apareceu, e confrontou o militar: «Amigo, você não pode entrar armado no perímetro das Nações Unidas». O militar, visivelmente nervoso, barafustou qualquer coisa imperceptível, mas acatou. A arma e os três carregadores de 30 munições ficaram à porta.

O elemento de Segurança das NU foi então confrontar Bubo Na Tchuto. Depois, dirigiu-se à Fortaleza D’Amura. Lá dentro, António Indjai, vice-CEMGFA, espumava. De ódio e de raiva. «Bubo tem de sair, e já, das Nações Unidas». Gesticulava, barafustava e ditava sentenças. Calma e diplomaticamente, o interlocutor dirige-se-lhe: «Sr. General, o Bubo não está preso. Está nas Nações Unidas por vontade própria». Acalmou-se.

De regresso às NU, Bubo foi novamente confrontado. Pediu para ver quem eram os que lhe tinham vindo buscar e acedeu a partir com eles. Mas primeiro teve que assinar uma declaração em como abandonava voluntariamente as instalações. E, depois, o próprio Bubo sugeriu querer despedir-se de Joseph Mutaboba, o representante do Secretário-Geral das Nações Unidas em Bissau. O que também aconteceu. A máquina fotográfica registou um abraço e um aperto de mãos. E lá vai Bubo. Neste momento, José Américo Bubo Na Tchuto está na sua casa, vigiado por militares. Se, amanhã, for chamado a tribunal, nada - nem ninguém - o impedirá de responder a qualquer acusação. Nem o próprio António Indjai. AAS

Ele já anda por aí...

Photobucket

O 1º Ministro Carlos Gomes Júnior esteve até há bem pouco tempo na Presidência, numa reunião com os órgãos de soberania. "Estou decidido a permanecer à testa do Governo", disse o PM. A ver se o deixam...

Ditadura do Consenso seguiu a caravana do PM num passeio pelas esburacadas ruas de Bissau, incluindo a das Nações Unidas... AAS

Letter from Scotland

"Boa Noite
Prezado Aly


Contava há muito fazer-te estas linhas mas por falta de vagar fui adiando. Para te dizer que realmente desde que tomei conhecimento do teu blog (já lá vão mais de ano e meio) nunca mais priorizei outra fonte noticiosa. Sempre admirei a tua coragem e frontalidade - coisa que escasseia hoje em dia em Bissau. Tive a oportunidade de falar contigo em Bissau no mês de Junho de 99 (foi na discoteca plack e como a noite ja ia longe não deu para mais como gostaria). Confesso que foi bom para a minha alma poder ver-te e falar contigo. Há muito que fazes parte das minhas orações tudo no sentido de pedir ao todo poderoso que te proteja e te dê muita saúde. Obrigado pelas notícias de hoje e tudo de bom para ti.

Obrigado

Sydney Monteiro

Edinburg-Scotland"

Aly Silva - o D. Quixote guineense

Carta de Lisboa

"Jornalista e pintor, António Aly Silva, também bloguista, é um autêntico D. Quixote da Guiné-Bissau, uma figura ímpar de que me apetece aqui falar.

O António, de 43 anos, natural do Quebo, antiga Aldeia Formosa, na região de Tombali, no interior da Guiné-Bissau, é um caso fabuloso de desdobramento de personalidades, entre o pintor que começou a ser ainda muito novo, na adolescência, e o jornalista irreverente em que depois se tornou, com uma posição assinalável no blogue Ditadura do Consenso.

Rapaz de duas pátrias, a guineense e a portuguesa, pois que em ambas já viveu, ele tem um desassombro excepcional quando fala dos muitos problemas da terra onde também nasceu Amílcar Cabral; e onde tantos morreram, em circunstâncias várias.

Falar do António Aly Silva e da sua maneira de estar na vida é homenagear todos aqueles que transgridem, que fazem tantas vezes aquilo que nós pensamos mas não temos a coragem de fazer ou de dizer. Depois de tanto se ter escrito nos últimos anos sobre uma pátria ainda a dar como que os primeiros passos, pois que 36 anos pouco são na vida de uma nação, é bom ter uma matéria nova para falar, que não seja o peso dos militares ou as influências do narcotráfico.

Aly é um artista e um poeta, que nos sabe bem ler, pois dele transcende o mais puro espírito libertário. E aqui o gostaria de colocar ao lado de muitas das outras figuras africanas que já tenho abordado ao longo da vida, pessoas com maneiras diferentes de estar na vida, mas que de algum modo não podemos ignorar: o José Vicente Lopes, o Tony Tcheka, o José Eduardo Agualusa, o Ondkaji, o João Paulo Borges Coelho, o Mia Couto, o Nelson Saúte e tantos outros.

Esta minha carta é para eles, os cidadãos lusófonos que aprecio, pessoas que têm ajudado a fazer notadas as jovens nações onde vivem. Pessoas todas elas com menos de 65 anos; nascidas portanto depois da II Guerra Mundial e de tudo o que ela significou para marcar um antes e um depois.

O António Aly Silva andava na instrução primária em Portugal quando aqui foi o 25 de Abril de 1974 e algum tempo depois seguiu para Bissau, a matricular-se no Liceu Kwame Nkrumah, onde a sua pintura começou a ser notada, em tons vivos, como é próprio da África e dos africanos.

Galerias de Dacar, Lisboa, Sintra, Paço d'Arcos e Cascais viram os seus quadros, bem como algumas salas de Bissau. Toda uma corrente de afectos se foi gerando à sua volta, como de ódios também; ou não fosse a Guiné-Bissau um país de perfídias, onde por vezes parece tão fácil morrer, vítima do feitiço de alguém que nos quer mal.

Aos meus olhos, ao colocar claramente os pontos nos iis, denunciando as conjuras, os golpes baixos, em pleno terreno armadilhado, o Aly é um herói, um autêntico D. Quixote deste tempo novo, deste século XXI em que nos é dado viver, até que os deuses o permitam.

"Venham mais cinco!", como ele, como o Zeca Afonso, como o José Dias Coelho. E um dia talvez o mundo seja melhor, onde mereça a pena viver. Graças ao esforço dos que tantas vezes chegam a duvidar de que valha a pena. Dos que tropeçam nos escolhos mas acabam por arranjar forças para se levantar.

J.H.
"

NOTA: Comovente. Tocante. Um abraço, Jorge. António Aly Silva

E os leitores têm sempre razão...

"Caro Aly,

O todo poderoso Ministro das Finanças, José Mario Vaz, fugiu que nem um
relâmpago um dia antes dos acontecimentos de 1 de abril alegando problemas
graves de saúde (recorde-se que estava muito bem um dia antes a
presidir ao CM da UEMOA e a gabar-se de...) acho que nem esperou pela
Ordem de Serviço do PM e agarrou milhões de FCFA dos cofres do Tesouro
para a sua fuga e nem se dignou alertar o seu amigo PM e alguns
colegas seus. Coragem Aly e obrigado pelas informações que nos tem proporcionado.

Bartaba
"

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Caro Aly,

Faço este para te parabenizar e te agradecer por nos proporcionar notícias da terra.
Na nossa Guiné, quando se vê uma luz ao fundo do túnel, acaba sendo sempre um trem (comboio) vindo no sentido contrário para esmagar as esperanças de um dia melhor" - infelizmente.

Um abração

C.F.

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"F.M.

Enviou-lhe uma hiperligação para um blogue:
Parabéns pela coragem e irreverência. Lê-lo é uma lufada de ar fresco. Parabéns pelo presidente, que esteve à altura.
"
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"Bom dia Aly,

Eu sou seu seguidor a 100% desde há muito tempo. Obrigado pelas informações frescas na ditadura do consenso, coragem nesta luta que também é de todos nós.
Sou também leitor de vários outros jornais guineenses online, mas neste momento o Ditadura do Consenso é o único jornal que tem coragem de nos informar na diáspora sobre o que está acontecer no país passo a passo ou melhor minuto a minuto, isso sim é fazer jornalismo, lutar por aquilo que se gosta de fazer a ferro e fogo para defender o interesse da maioria. É uma pena que temos só você.
Escrevo desde Cabo Verde, pode contar conmigo que estou a divulgar o seu blog por todo lado imprimindo as suas notícias para informar os guineenses que precisam de acompanhar o que está passando no país.

Continue sempre em frente denunciando aos malfeitores da imagem e o bom nome da nossa terra. L.S
."

NOTA: Agradeço todos os e-mail. A perseverança e a luta contra os que mal fazem a Guiné-Bissau não pode parar. Ainda que nos façam sangrar. António Aly Silva

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Dos leitores

Boa noite.
Escrevo apenas para expressar em poucas palavras o meu apreço por manter-nos (a mim e a outros fora do país) tão informados acerca dos incidentes que decorreram no país.
Já agora, aproveito também para congratula-lo pela coragem pois decerto expõe-se bastante a fazer o seu trabalho.
Obrigada,
T.S.

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"In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul."

William E. Henley

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Neste blog, sim, há informação de qualidade. Só para quem sabe estar no local certo, na hora certa.
Obrigada.
LG.

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Aly,


Muito obrigada pela tua rapidez em actualizares o teu blogue com os eventos recentes. Continua! Espero que estejas bem.

Beijinhos,

M.

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NOTA: E os leitores têm sempre razão. AAS

PR: Se quiserem, matem-me, mas isto que fizeram é um disparate

- Conversações que tiveram lugar, hoje, sobre a sorte que caberá ao Primeiro-Ministro deram, para já, em nada. Os militares não querem o actual chefe do executivo nem com molho de soja. Mas lá terão que engolir o peixe pelo rabo.
A verdade é que o Presidente da República deu uma descompostura tal aos cabeças do golpe de Estado, que estes logo se prontificaram, em comunicado, a respeitar a Constituição (já violada) e prometeram que a ordem seria reposta. "Se quiserem, matem-me, mas isto que fizeram é um disparate" - disse uma Malam bacai Sanha furioso;

- Fui jantar ao Malaika mais um amigo. Numa mesa próxima, um deputado e ex-ministro de Cadogo caído em desgraça junto deste, jantava sozinho. E o telefone não parava de tocar. E o toque era nem mais nem menos que cócórócócóóóó. E o gantar do galo, já se sabe, anuncia sempre um novo dia... AAS

Seguidores são já 69...ops! AAS

Não há um militar para amostra à porta ou à volta da residência do 1º Ministro. Vigilância, haverá sempre. E com tanta arma enterrada por aí...AAS

Obrigado, Sr. Presidente.

Photobucket

Os guineenses devem estar gratos ao seu Chefe de Estado. A lucidez - e a compaixão - do Presidente da República, Malam Bacai Sanha, evitaram um banho de sangue neste País. Hoje é 1 de abril. E esta é a verdade. Muito obrigados, Sr. Presidente.

António Aly Silva