quinta-feira, 19 de junho de 2008

O Cônsul que afinal era um cavalo

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Recebi um e-mail. Eu, Aly, recebi um e-mail que mais parece um interrogatório da polícia. Daqueles que eu gosto, desde que me tratem com respeito e coisa e tal. Quero deixar aqui bem claro que muita gente não percebeu o post «Menos ais». Mas como ultimamente tenho andado ocupado a comprar guerras aqui e aly...respondo.
Ler, leram, porque tem havido feedback. Mas que não entenderam, lá isso não entenderam.
Bom, mas o que diz a criatura? Começa por falar do tempo, mas eu já o tinha topado à distância. E quando a moeda cai na ranhura, eis que surge o império em todo o seu esplendor. Aqui vai a minha resposta:
«Caro amigo
Obrigado pelo e-mail. estava mesmo a precisar. A história, como bem sabemos, foi prenhe em impérios. Por todo o lado. De todos os lados. O império português, por quem tu gritas e gesticulas, não passou disso mesmo: de um império. E é - lá está, História. Não me cabe, portanto, julgar o império português, nem outro qualquer. O meu eterno liberalismo tem limites.
Mas como escreveste a um «intelectual» - obrigadinho, pá!, o intelectual (agora sem aspas) escreve-te também (aviso-te já que gosto de reciprocidade).
Isto para te dizer o seguinte: no império romano - esse colossal império, houve de tudo: imperadores inteligentes, outros brilhantes e teve outros que eram... Bom - conta Suetónio (historiador romano 70/160, que viveu na época de pelo menos dois imperadores) - tiveram um que lhes saiu, digamos assim, pela culatra: nomeou cônsul o seu próprio cavalo! Sim, esse idiota do Calígula.
O que se diz é que é a História. Mas, deixa para lá que a história também está cheia de anedotas...

Conversas em família

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Bissau, um mês qualquer entre Maio e Outubro. Choveu toda a manhã. Podia ouvir a chuva bater nas vidraças das janelas e até o murmúrio secreto das pessoas. E sentia o agradável odor do café que a minha Avó preparava todas as manhãs. E só hoje me dei conta de que todas estas pequenas coisas são coisas boas. Desejava chegar aos domingos só para ouvir o ruído do fogão a petróleo e sobretudo a minha Avó a conversar baixinho com o meu Avô. Conversavam acerca do correr dos dias e lembravam-se do tempo em que eram jovens em flor.
Daqueles dias exaltantes, dos bailaricos de rua e de salão. «Foram bons tempos, esses», acrescentava o avô. O meu Avô era um homem pequenino e de mãos bonitas, bem talhadas de resto, pese embora todo o trabalho que suportou durante a sua longa vida. Ainda mantinha uma voz fina, bem modulada. Usava um chapéu branco que, com o passar dos anos, se apresentava todo remendado com arame fino que ele, pachorrentamente, desfiava dos fios de electricidade. Ria muito e com frequência e recusava boleias. O pretexto era sempre o mesmo: «a melhor receita para envelhecer com dignidade é caminhar». E lá ia ele todo pomposo, rua abaixo. Também dizia, a propósito de viver muito (contava na altura cerca de 80anos), que chegara a essa idade porque «gostou muito de mulheres. Ainda gosto, claro. Gosto mas já não posso, se é que me faço entender» - o meu Avô teve muitos filhos e tem-nos visto partir, com dor. Quanto a bebidas, um cálice de whisky por semana, aos domingos, e de um só trago embora se mostre um perito no assunto. «Só se deve beber entre amigos e com amigos. Quando um homem bebe só, algo está mal, algo não vai bem dentro dele». E saiu-se com esta frase lapidar: «quem bebe só está a conviver com a morte que lhe mora na alma» … A minha Avó (que morreu com a respeitável idade de 86 anos) gostava muito do meu Avô. Gostava mesmo muito e dizia-lho sorrindo enlevada (ou embevecida?), não sei bem. E ele manifestava o seu contentamento afagando-lhe as mãos e beijando-a com suavidade na testa enrugada. «Quando a gente não gosta, não deve ocultar os sentimentos e muito menos as emoções». Escutava-os feliz e adormecia no seu colo como uma criança que quer saber coisas sobre as estrelas.
Contei-vos o que sei. Outras mãos escreverão um dia, como todos os outros pormenores, o que falta nesta história.

António Aly Silva
Jornalista
Imagem: pintura de António Aly Silva

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Reforma do Sector de Segurança na Guiné-Bissau

Acompanhe tudo a partir daqui:

http://www.consilium.europa.eu/cms3_fo/showPage.asp?id=1413&mode=g&lang=en

Lembras-te de Bissau?

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“Venham daí esses ossos!”. Cruzamo-nos, por acaso, ia eu a atravessar a rua em direcção à fortaleza da Amura. Abraçamo-nos e depois afastou-se. «Olha só para ti, estás um homem!».
Este meu amigo costumava parar no bar «Escondidinho» – que fica na esquina da escola «Marques Palmeirim». Chegava de sorriso aberto, ao final da tarde, depois de grandes caminhadas pelo dia e depois de noites que só ele sabia viver. «Já estou de abalada», dizia isso sem ressentimentos nem temor. Aliás, começou a dizer isto – contaram-me – ia nos quarenta. Durou mais vinte e um; depois, sossegadamente, cerrou as persianas feitas de colmo e foi embora.
E adorava falar de mulheres - «Na minha idade é que era, vocês hoje vão para a cama por tudo e por nada». E tinha razão. Estamos sempre a ir para a cama; de manhã, à tarde e à noite. Pela primeira vez ouvi-o falar da violência da terra, dos ardores do sexo e de gente que se maltratava por um corpo quente de mulher. De gente que ele viu matar por um desvio de águas ou pela aleivosia de um dito mal interpretado. O meu amigo não era de percorrer tabernas, não. O «Escondidinho» enchia-lhe todas as medidas. Bebia o seu tinto, conversava, rindo de riso breve, ouvindo histórias. Histórias como aquelas que ele próprio contava, bem entendido; e contava-as numa toada lenta e despedida de deselegâncias.
Porém, vivia sempre o seu tempo. Nesse encontro, dois anos antes da sua morte, lembramos muitas coisas. Contou-me que enviuvara há cinco anos. A mulher morreu na sala de operações, em pleno parto, por falha de electricidade. «Ninguém contava com aquilo, foi terrível». Fez-se um silêncio sepulcral. Não consegui olhá-lo olhos nos olhos. Senti-me enfraquecido e a desfalecer e culpado por não saber o que dizer para confortá-lo. «Pelo menos ainda temos o ‘Escondidinho’» - disse-lhe. E fomos entrando. Voltou a desabafar. «Os amigos morreram todos; o Ucha, o Fernandinho...O último foi o teu pai» – disse-me. O meu pai morrera nesse ano, mais precisamente.
Fiquei então a saber aquilo que anos a fio me apoquentava: ou seja, o que este meu amigo procurava no «Escondidinho»: Letrado, ele procurava apenas a ração de afecto, os gomos de ternura que, confirmou-mo um dia, só a sua pacata e recôndita aldeia lhe poderia realmente oferecer. Bebíamos, de vez por outra mais do que manda a lei do equilíbrio; e, sobretudo conversávamos muito. E nós ouvíamo-lo muitíssimo. Ele percebera que perdera o tom da época; que a sua época era outra e que sobre essa época outra escrevera tudo quanto tinha de escrever. Porém manteve-se interessado. Lia o que os outros escreviam.
Certa tarde – contou-me o senhor Zé do «Escondidinho» - decidiu que chegara a hora de regressar à sua aldeia. E eles iam lá, vê-lo e conversá-lo. «Bebíamos agora um pouco e devagar». O meu amigo, sábio e antigo, quedava-se agora no batente da porta, no silêncio da tarde, no silêncio de todas as tardes. «Já nem havia palavra, aliás», sussurrou-me o senhor Zé. Depois, confidenciou-me, «ergueu-se e, pausadamente, atravessou os umbrais da eternidade».
António Aly Silva
Jornalista
Fotografia: (C) AAS

Porque há coisas que encantam nesse ‘tchon’

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“Um agitador cheio de coragem e loucura.” Há quem te qualifique assim (eu, por exemplo). Neste espelho cruel e cómico do que é esta cidade, este país, estas gentes, ficava bem um pouco de cor amena, tons pastel que ajudem a respirar com maior leveza nos dias que correm.
Os sorrisos com que me cruzo todos os dias. Nuns encontro inocência, noutros pura simpatia, noutros a esperança de dias melhores.
E as pessoas andam pelas ruas da cidade. Ninguém sabe para onde vão, donde vêm, o que as move. Mas andam. A cidade acorda bem cedo, bem antes de mim ou de qualquer pessoa que vive sob a protecção dos muros do meu bairro - muros de um mundo que não é este. Cada um luta à sua maneira para sobreviver a mais um dia. Mas luta pacificamente. O que vier, virá!
A força já não está nos olhares. Nem nas mãos, nem em lado nenhum. O trabalho faz-se lentamente. O tempo corre lentamente. O calor vai embora lentamente, ou não vai. A chuva agita apenas um pouco a vida desta gente, pelo menos por enquanto.
A alegria é encontrada nas pequenas coisas. Em coisas tão insignificantes que são ridículas aos olhos de quem aqui não pertence.
Um menino do interior da Guiné-Bissau, dos seus 4 anos, passou uma noite em minha casa, a dormir comigo, porque eu pertenço ao mundo dos que acham que estes pequenos gestos nos resgatarão do egoísmo em que vivemos submergidos. Estava calor, dormimos com o ar condicionado durante a noite toda. No regresso a sua casa, este menino contou aos outros meninos da sua idade que dormiu numa casa linda, cheia de vento. O que há de mais doce do que isto?
Aqui existe muita tristeza, muita miséria a todos os níveis. Mas depois existe aquela pequenina coisa pela qual vale a pena viver: a doçura reembolsada por nada! Há aqui uma magia que encanta. Essa magia está nas pessoas.

Bissau, 18 de Junho de 2008
MeGaMi
Foto: (C)AAS

Os novos colonialistas

África já foi citada de várias maneiras. E feitios. Apontam-lhe defeitos. E depois sugam-lhe até ao tutano, como diria Zeca Afonso. Porém, há uma citação que me atormenta. Tem-me perseguido, aliás, como se de uma sombra se tratasse:

«África não é nada, não faz nada nem nunca conseguirá fazer nada», afirmou Eden Kodjo, na altura secretário-geral da OUA (Organização da Unidade Africana), hoje União Africana graças ao homem dos camelos.

Eden Kodjo continua - volvidos quase trinta anos - dono desta razão sem razão, mas com razão de ser. E que é só esta:

Hoje, a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, estabelecem as regras de uma situação de domínio e exploração de facto, e que consegue ser igual ou pior e de consequências mais funestas do que a escravatura colonial.
António Aly Silva
Jornalista

terça-feira, 17 de junho de 2008

É mesmo.

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Só mesmo um judeu!

Um judeu foi ao jornal pôr o anúncio da morte da mulher:

"Escreva assim: Sara morreu."

O escriturário, muito admirado pergunta: "Mas é só isso?"

Responde o judeu: "Sim, porque senão fica muito caro!".

O escriturário explica-lhe então que paga o mesmo até cinco palavras.

O judeu aproveita:

"Então escreva assim: Sara morreu. Vendo Opel Corsa".

E por estar tudo tenso...

Marque o zero...

Uma executiva de topo de um instituto público (portanto, não se trata de uma guineense...), recém nomeada, faz a sua primeira viagem em trabalho fora da sua cidade. À noite, sentiu-se sozinha e por isso decidiu telefonar a uma empresa de acompanhantes. Diz ela ao telefone:

- "Boa noite. Preciso de uma massagem... Não, espere! Na realidade o que quero é sexo! Uma grande e duradoura sessão de sexo, mas tem de ser agora! Estou a falar a sério! Quero que dure a noite inteira! Estou disposta a fazer de tudo, participar em todas as fantasias que vocês inventarem. Traga tudo o que tiver de acessórios: algemas, chicotes, dildos, pomadas... quero ficar a noite inteira a fazer de tudo! Vamos começar por espalhar mel pelo corpo um do outro. Depois vamos lamber-nos mutuamente... ou será que você tem alguma ideia mais quente? O que acha?

Diz o homem do outro lado da linha:

- "Bem, na verdade parece-me fantástico, mas para chamadas exteriores a senhora precisa de marcar o zero primeiro...

País light

Eterna feminina, a cidade de Bissau tem o gosto da angústia. A angústia de quem não tem a varinha de condão capaz de transformar, por exemplo, uma sandes de peixe frito em maravilhosas costeletas.
Por seu lado e como bom guineense, o J. é antes de mais, um bom machista. É ele quem fixa as regras do jogo. As garinas são sinónimo de panela de caldo di tchebém e brindje de skilon ao fim-de-semana ou, ainda, de uma barriga por engrossar.
«São muitas vezes simples objectos de prazer», fiz notar ao meu amigo, que não me deixou sem o devido troco. «Sobretudo agora, depois de sucessivos anos de orgia de violência, que reduziram o pessoal masculino e fizeram com que a média mulher-homem fosse (ainda) mais dilatada. «A guerra afinal serve para estas coisas…», disse em tom desajeitado. Recordámos então, com aquele sorriso maroto, as filas intermináveis nos Armazéns do Povo e na Socomin e os jogos de futebol de salão nos ringues do agora Ministério das Finanças, e da defunta UDIB (como dói!).
Isto passou-se pouco antes do meu atribulado regresso a Lisboa (nha polícias di luxo…), no mês de Outubro do corrente ano. De volta ao país, voltei a cruzar-me com o J. numa das nossas esquinas. Estava diferente. Deixara crescer o bigode e engordara. Deitava-me agora aquele olhar melancólico e impotente. «É a Bissau a preto-e-branco» – sussurrei-lhe. «Boa mãe para uma imensa minoria e madrasta para a esmagadora maioria».
É que, há dias, há dias em que um dia parece que nunca mais passa. E há vezes em que estes anos todos passaram quase que de repente. «E o guineense comum – barafustou J. – o Zé-povinho, passa por esta vida como um gato – sem deixar marcas». Provocador (como eu, sim, como eu…) olhou à volta, para se certificar que tínhamos todos ouvido, e riu-se durante cerca de 5 minutos. Nem sequer parou de rir quando, em marcha-atrás, um automóvel conduzido por um motorista meio lélé-da-cuca quase lhe partia a perna.
Fiz-lhe notar que Bissau se transformara num parque de diversões, onde os homens são homens, mesmo que não queiram, e as mulheres são mulheres, mesmo que tenham que fingir. As mulheres divertem-se a gritar ou a fechar os olhos para se convencerem que não estão ali. Os homens cerram os dentes e abrem os olhos como prova de coragem. Na realidade, como fica mal gritar – e não foram educados para isso – defendem-se com um sentido de humor tirado dos intestinos fraquejantes. Outra maneira de ser homem é explicar que isto parece mas não é. Quer dizer, parece que podemos morrer, cair, magoarmo-nos, mas não é possível. Que País!...

António Aly Silva
Jornalista