quinta-feira, 6 de maio de 2004

Dois casamentos e vários funerais

O presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, lançou um apelo dramático à comunidade internacional (CI) para que esta materialize a ajuda que prometeu para a ‘reconstrução de Angola'. Fez ainda questão de recordar à CI que o conflito armado acabou há cerca de ano e meio. Essa é que é essa. "Peço que a nova realidade que vivemos desde o fim do conflito armado, há pouco mais de ano e meio, seja correctamente transmitida aos dirigentes máximos dos vossos países para que estes possam agir em relação a Angola com conhecimento de causa e sentido de responsabilidade", afirmou o Chefe de Estado angolano.
José Eduardo dos Santos, adiantando que a realidade angolana "pode ser crucial para o reforço da cooperação bilateral, que permita à comunidade internacional materializar finalmente a prometida ajuda à reconstrução de Angola". Pois bem, a realidade angolana existe - é verdade - mas ela é penosa e mete dó e assume a cada dia proporções bíblicas! E a comunidade internacional conhece-a de perto, porque convive com ela diariamente, mas não se retrata. Não.
Este é – pode não o parecer - o apelo de um chefe Estado daquele que é uma das maiores potências africanas e que se dá ao luxo de pagar ‘do seu bolso' cerca de 10.000.000 USD (sim, cerca de dez milhões de dólares norte-americanos) para casar duas filhas. O apelo é de alguém que, para os ditos casórios, freta aviões para transportar convidados, recruta os serviços de um grande grupo hoteleiro para que nada do melhor falte aos convivas. É um apelo do homem que dirige uma ‘democracia' que não vai a votos há muitos, muitos anos. É um apelo do presidente de um país que conta com perto de 70 (!) ministros e vice-ministros. É um apelo triste que aos homens verdadeiros, dignos, só pode envergonhar pelo descaramento. Ainda mais triste se revela quando Eduardo dos Santos pede "uma acção internacional de grande envergadura, a exemplo do que ocorreu noutros países que viveram situações similares”. Quer ele dizer países amigos de Angola e corruptos como todos eles são. O mais triste é o apelo ter sido feito perante os diplomatas acreditados em Luanda, tendo mesmo passado a mensagem de que o seu país está a preparar-se para dar, este ano, "um passo decisivo em frente". Para meu espanto, a estocada final ou, por cima da queda, o coice: o decano dos embaixadores acreditados em Angola, o brasileiro Jorge Tunay, considerou que 2003 foi para Angola o ano da consolidação da paz e da democracia, e desejou que o ano em curso seja fértil em realizações em termos de reconstrução do país. "Que 2004 seja fértil em realizações na gigantesca tarefa que Angola tem na reconstrução nacional", afirmou Gorge Tunay. Eu prevejo um ano fértil em mais casórios, alguns baptizados e – é isto que me afecta mais – muitas mais mortes por desnutrição de milhares de crianças angolanas…

quarta-feira, 5 de maio de 2004

Em Busca do Tempo Perdido

Levava uma vida condenada a naufragar. Gravitava pela cidade fora procurando uma nesga de sol, um banco de jardim que melhor lhe proporcionasse encostar a sua canadiana para com ela se defender como se de um cajado se tratasse. Semicerrava um olho para melhor enxergar a passagem do tempo e a garganta seca de uma secura crónica. Tinha aspecto de um mendigo que ao fim e ao cabo não era. A barba em estado bruto cobria um colarinho de cor indefinido, coadjuvado de um cabelo grisalho que escapa de um boné de copa alta e cai na gola suada de um velho casaco, adquirido ao desbarato, algures no mercado.
Grande craque de futebol, ex-actor dos palcos do antigo liceu por onde passou algum tempo, sem êxito, embora se sentisse feliz hoje, infeliz de quando em vez, procurava na memória de tempo, o tempo perdido. O «Berlengas», alcunha que herdara do pai, nasceu numa longíncua paragem deste vasto universo há oitenta anos, e que o desgaste da vida e o sarro dos copos acrescentavam uma precoce velhice. Foi ajudante de mecánico de automóveis numa época em que o salário era pouco e dava para viver assim-assim. Não casou. Viveu com algumas raparigas em regime precário, das quais recorda pelos bons serviços prestados. Dizia a propósito das mulheres que «elas são uma parte essencial da vida de um homem, pela companhia e pelo amor». Não teve filhos e a família - avós, pai e mãe - foi-se com o tempo, levando com elas as últimas amarras de uma vida condenada a naufragar.
Lúdibrio da sorte, do infortúnio, do azar, da amaldiçoada vida que viveu e que, debalde, buscou no tempo perdido. O «Berlengas», figura muito conhecida no meio onde vivia, jamais teve conta num banco e para a política esteve sempre nas tintas. Amaldiçoava o frio que lhe roubava o calor do sol e mesmo o banco do jardim onde encostava a sua canadiana e, com um olho semicerrado, enxervaga a passagem do tempo que ainda não encontrou.

Mantenhas para Esperança

Este editorial é dedicado ao Povo da Guiné-Bissau

“O que é feito da Esperança?”, perguntei ao meu interlocutor, um amigo de infância. «Esperança» podia ser uma namorada dos idos tempos do liceu Kwame N'krumah ou uma amiga. Mas amiga daqueles bons velhos tempos de Bissau, diga-se de passagem. “Ora, ora”, replicou abanando o porta-chaves forrado de couro e onde se podia ler «jah glory». “Lembras-te da irmã, a Arrogância?”, perguntou entusiasmado. Não fazia ideia nenhuma, pois desde que regressei a Bissau pela primeira vez, em 1998, depois da saída para o ‘exílio', em 1992, que não me tenho cansado de, pelo menos, tentar saber dela. Em vão. Pois bem, agora ficarei a saber - pensei. Porém, estava longe de imaginar a resposta. “A irmã dela fez-se seca e agreste” – disse o Carlos, apontando de seguida o indicador direito para as acácias ‘avermelhadas' pelo pó, das ruas de Bissau. Contudo, sossegou-me. “Nunca casou”. Mas, e a Esperança? - insisti.
Eu queria saber era da Esperança, daquela que ouvia na boca dos alunos do liceu. “A Esperança engordou muito” – acompanhou tudo com um gesto. E continuou. “Teve um cabaz de filhos, cada um de seu pai” - aqui, resmungou. “Depois, deixou-se ir”, disse entristecido. Nessa altura os nossos olhos brilharam. E foi com eles fitos no chão que lhe ouvi dizer que os filhos da Esperança “andam por aí, pelo mundo, ninguém sabe. Nunca se entenderam, de resto”, disse acabrunhado. A Esperança está talvez condenada a naufragar – disse, tentando confortar Carlos. Lembrei-lhe ainda que ela herdara a alcunha do pai, que nasceu numa longínqua paragem, a que o desgaste da vida acrescentava uma velhice precoce. Abraçamo-nos e atravessamos a rua em direcção ao bar «Noé». Na esquina do passeio, uma acácia, pese embora sufocada pelo sol abrasador, irradiava um verde em todo o seu esplendor. E era capaz de dizer que os ramos mais altos se agitaram, como que a sorrirem para nós. Será a Esperança a chegar? Pensei então que caíssem cometas, desabassem o infinito e o inferno e este povo continuará, sereno, dando a sua lição ao mundo «civilizado» - assim mesmo e sem medo da expressão.

O Aly tem um blogue

Agora, o António Aly Silva, director do "Lusófono", também tem um blogue, a merecer uma visita prolongada. Ali, para já, não há nada de política. Se os portugueses são todos poetas, os guineenses também. Força, amigo.

# posted by PPM : 11:04 AM

Um obrigado especial ao Paulo Mascarenhas e ao seu www.oacidental.blogspot.com, que agora conta com um peso pesado da escrita em - bom e legível - português: Vasco Rato.. Brilhante e nada de glória fácil...

Que não nos falte nada já que a nós nos calhou tudo

Senhores governantes guineenses: muitos de vós não me conhecem - muitos conhecem-me bem - mas não perdem nada com isso. Aproveito igualmente para vos dizer que nunca morri de amores pela vossa governação. Estou mesmo longe, muito longe mesmo do termo «amor». Não imaginam a vontade que tenho de dizer aos meus amigos e colegas uma coisa tão simples e ao mesmo tempo bonita como isto: «Eu amo os governantes do meu país». Mas não posso. Ou, melhor, vocês não me deixam.

À atenção do (ainda) governo da Guiné-Bissau

Eu, cidadão deste país, portanto guineense, que sinto ter a obrigação de vos conhecer (assim mesmo e sem medo da expressão), vejo-me igualmente na obrigação de vos dirigir algumas palavras. Assim, sem mais delongas, vou direito ao que venho. Leiam e ponderem, só isso. 30 anos de independência deitaram por terra toda a esperança neste país. Vi tudo desmoronar como um castelo de cartas. Por momentos, até pensei que um milagre fosse possível. Digo isto com uma grande mágoa porque, afinal, fomos sempre dirigidos pelo Homem, cuja capacidade de pensar antes de agir é uma lei própria da natureza. Caso contrário, seríamos animais.
Hoje ainda, a Guiné-Bissau vive às escuras, está sempre de mão estendida à espera de caridade alheia. As suas crianças, os seus jovens, estão encurralados e sabem que deixaram de puder contar com um futuro risonho. Muito menos ainda se podem dar ao luxo de sonhar. Hoje, na Guiné-Bissau, sonhar deixou de ser fácil e o diabo anda à solta. A incopetência grassa, a que se soma a falta de moral. É incrível como neste país ninguém parece querer aprender com os erros do passado. E o passado passou há bem pouco tempo...e o povo a levar por tabela.
Basta, meus senhores! Como também basta dar uma simples volta pelas artérias de Bissau, para se constatar a miséria a que este povo tem sido votado. Este regresso ao meu país - a quarta desde o golpe de Estado de 1998 que derrubou o lacaio, traidor e cobarde 'Nino' Vieira - deixou-me triste. Este país, cuja terra e povo venero, dilacerou-me o coração. Convém no entanto esclarecer que amo este país!. E, talvez por isso, sinto-me repelido por ele. Odeio-o mas volto a amá-lo. Esta relação de amor ódio ainda hoje persegue-me. Talvez seja por, desde muito novo, me dar conta de que estava - eu e outros jovens da minha geração - atrasado em relação ao resto do mundo. E não estava enganado. Volvidos muitos anos, vivo ainda hoje submetido a essa certeza triste e penosa: nunca acertarei o passo pelos tempos modernos. Aliás, a simples menção da palavra «tempos modernos» levanta no meu cérebro suspeitas imemoriais, dúvidas estranguladoras, incertezas dolorosas.
Na Guiné-Bissau, já ninguém parece querer saber de credibilidade a nível internacional, do Direito Internacional, das democracias liberais - que tenderão a perder se nada se fizer, ou se chegarem tarde. Com que cara vamos nós contar aos nossos filhos - hoje sem escola, a deambularem pelas ruas vendendo tudo o que não têm - de que houve (há, sim senhor) mecanismos de garantia da paz, de educação, de segurança? - Com que convicção vamos nós ensinar aos nossos netos de que existem valores supremos como a Justiça, o Direito, a Paz, a Democracia? - Com que confiança em mim próprio vou explicar aos meus amigos de que o Direito Internacional é verdadeiro direito, porque se inspira na Justiça e prevê sanções para os seus infractores? Tudo isto para referir que nesta como em todas as circunstâncias, a sina dos homens que querem ser justos só pode ser a de emprestar a sua voz aos que foram vencidos pela vida.
Hoje, na Guiné-Bissau, ninguém parece querer importar-se com nada! Não servem quem neles votou, estão-se nas tintas por quem, de facto, tem competência. Hoje, a Guiné-Bissau não tem nada: nem dinheiro, nem moral e muito menos ainda «peso» internacional. Resta ao seu povo um impressionante civismo e capacidade de resistência. O primeiro de todos, o grande Amílcar Cabral, viu a incompetência dos seus camaradas, aliados à cegueira do Estado Novo colonial roubar-lhe a vida. A Guiné-Bissau tornou-se num santuário para os corruptos, os incompetentes, os «barriduris di padja», os mentirosos, os delatores. Que cometem crimes, escapam à Justiça e, pior ainda, acabam reconduzidos em cargos onde outrora governaram a seu bel-prazer. Uma grande merda, é o que tem sido. Pior do que isto mesmo, só tentarem fazer-nos crer que essa merda é íntegra. Ah, já agora: Que não nos falte nada já que a nós nos calhou tudo!

Casamento Falhado

FANTA acordara cedo, como habitualmente. Pôs o pote de barro sobre a cabeça e dirigiu-se despreocupadamente para a fonte. Fanta era linda, lindíssima. Morena, alta e esguia, fazia lembrar as deusas da antiguidade. Contava apenas dezanove anos mas ninguém lhe dava mais que catorze ou quinze dada a sua natural ingenuidade. Encheu o pote, fez a higiene do costume e, quando se preparava para regressar a casa, viu surgir à sua frente um seu tio de nome Abibo que após recíproca saudação lhe pedira que ficasse um bocado mais, pois era portador de um recado de seu pai.
Disse, depois de ter tossido: - Fanta, hoje é um grande dia para ti. Teu pai, querendo honrar-te, vai dar-te em casamento ao moço mais lindo do regulado. Ele é filho do régulo, é rico e tem a tua idade. Lembro-me bem – prosseguiu - quando as vossas mães vos deram à luz no mês de Outubro de uma longínqua chuva. Que festa nesse dia… - Pois bem, Fanta – retomou a palavra – é hoje e será na calada da noite que te vêm buscar. Será festa grande. Os «jideus» (1) animala-ão com danças e cantares. O régulo, teu futuro sogro, todo poderoso, virá montado no seu cabelo branco rodeado dos seus mais fiéis «batulais» (2) e precedido dos seus «jideus» privativos que entoarão cânticos guerreiros. Abibo, de quando em quando, pachorrentamente, chupava o seu cachimbo, acompanhando com a vista o grosso rolo de fumo que lançava para a atmosfera.

Fanta, por sua vez, tornou-se subitamente pálida. Notava-se-lhe no semblante um ar de pânico. Nada de momento pudera pronunciar. Os olhos fitos no chão e pestanejando sem cadência, davam-lhe agora um aspecto de muito mais velha. Suspirou fundo e tentou balbuciar algumas palavras. Debalde, porém, foi o seu esforço. O soluço embargara-lhe a voz. Olhou para o tio e, de repente, como que sacudida por um tufão, explodiu: - Não, não quero ninguém. Não quero casamento por imposição!» Um pesado silêncio tomou conta da situação. Fanta, agressiva, espera o remate do tio. Este, admirado com a reacção, já não fumava. Pensativo, ia desenhando circunferências excêntricas no patamar da fonte com a ponta do indicador que descuidadamente molhava na água. O chilrear das aves tornava mais densa a monotonia. Num gesto frenético, nervoso, Abibo mergulhou a mão na água, desfazendo tudo o que tinha desenhado. Bateu com o cachimbo na palma da mão para soltar o tabaco queimado e com voz forte, autoritária, rematou: - Fanta é em vão o teu protesto. Não tens outro caminho a não ser este que o teu pai traçou. Hoje, quer queiras, quer não, serás desposada e o filho do régulo será o teu eterno companheiro.

Então não vês – continuou Abibo – toda a faustosidade e alegria do teu pai? Desconheces porventura que o teu pai, em troca da tua mão, recebeu um bom dote do régulo e que esse dote foi quase totalmente gasto nos preparativos para o teu casamento? Pensa bem, Fanta. Pensa na festa grande e no teu futuro. De novo pesado silêncio. Fanta chorava agora convulsivamente, rodopiando a cabeça ora para um ora para outro lado em sinal de negação, de incompreensão, de desânimo. Bateu com o pé no chão, mordiscou o lábio e pôs-se a andar como um autómato, deixando o pote no chão. De quando em vez parava, olhava o infinito, limpava as lágrimas e fixava o tio. Fanta não sabia o que fazer. Com passadas incertas, voltava sempre ao local onde deixara o pote, que mais parecia estar agora sob cerrada vigilância do seu interlocutor. Abibo, julgando-se vitorioso, acendera de novo o cachimbo num gesto lento e pensativo. Arrancara uma folha de uma árvore e com ela tapara o cachimbo para evitar que este se apagasse. Cedo, porém, abandonou a folha porque vinha contribuindo para a alteração do aroma do tabaco. Era outro autómato também, embora se esforça-se para não o mostrar.

Fanta, entretanto, havia desaparecido sorrateiramente. O tio, embebido nas suas reflexões, nem deu pela sua ausência.
Fanta deambulara por muitas horas até que foi parar a uma povoação vizinha da sua, chamada Áfia. Deviam ser catorze horas. Dirigiu-se à casa de uma amiga e colega e bateu à porta. Ninguém. Olhou à sua volta e reparou que estava tudo deserto. Uma ou outra galinha debicava o chão. Mais além um pilão e um balaio, abandonados. Resolveu sentar-se num banco e mergulhou-se nos seus pensamentos. Com os olhos no infinito, o queixo apoiado sob as lindas mãos, Fanta mais parecia a estátua de Vénus. Aliás só não se lhe poderia chamar de estátua porque era de carne e osso. Mas de Vénus, sim. Se esta fosse viva, teria decerto uma séria rival para a disputa do trono divino. Eis porém que o crepitar das ervas secas desperta Fanta do seu sonho. Alguém aproximava-se. Olhou e viu um rebanho de cabras que vinha do pasto sob os cuidados de um velho aldeão. Cumprimentaram-se. Fanta, fingindo-se refeita do seu sofrimento, falou primeiro. - Sabes dizer-me, «maudo» (3), para onde é que foi toda a população desta tabanca?. Sim - atalhou o velho - a convite do régulo, toda a população das povoações deste regulado se acha concentrada em Sintchã (tabanca do pai de fanta) onde hoje se celebra o casamento da filha do maudo Ibarima (pai de Fanta) com o filho do régulo. A concentração é enorme e a festa rija, rematou o velho, ao mesmo tempo que se dirigia para o rebanho, a fim de enxotar uma ou outra cabeça que descuidadamente se afastara da manada.

Sim, Fanta sabia que a filha de «maudo» Ibraima era ela e que a festa rija era em sua honra. Levantou-se e continuou a sua caminhada sem destino traçado mas sempre para cada vez mais longe. Entretanto, na tabanca do pai de Fanta, começava a reinar uma certa inquietação em profundo contraste com tanta barulheira dos tambores, das rebecas, das cantigas. Inquietação porque Fanta não aparecia. Ninguém dela sabia. O último que a vira foi o seu tio Abibo. Fanta fora procurada, sem êxito, por todos os lados. Na fonte, a dar sinal de Fanta, só o pote – agora testemunha surda e muda de um drama em embrião. Os festejadores, sem de nada ainda saberem, continuavam a dar cada vez mais, maior brilho à festa. Dezenas de cabras e carneiros sacrificados jaziam por terra. Os ainda vivos esperavam, aterrorizados, a sua vez.
Em Sintchã, todos os parentes mais chegados do pai de Fanta estavam num corrupio constante. Fanta não aparecia. O tio Abibo contara ao irmão a conversa que teve com Fanta e a sua desaparição. Não omitira, também, a firme negação desta em se casar.

E é assim que, com a chegada incessante de convidados, a festa ia ganhando maior interesse. Tochas acesas crepitavam por todos os lados. Mais além via-se aceso um candeeiro a pressão em total contraste com as tochas. Um «jideu» barulhento com uma rabeca debaixo do braço e vestido de mil cores, dava berros impressionantes. Toda a gente tocava e dançava ao som de ritmos variados. A petizada agrupava-se, obviamente, ao lado daquele que mais barulho fazia. Um tambor desafinado estava a ser aquecido numa fogueira especialmente acesa para esse fim. A festa, entretanto, só atingiria o seu auge aquando da chegada do régulo. O noivo não participaria da cerimónia. Ficaria em casa à espera que lhe levassem a mulher. Um levar penoso e triste com dezenas de paragens obrigatórias, com a noiva sempre de joelhos e coberta dos pés à cabeça com um lenço branco tresandando a calor misturado com um cheiro nauseabundo de perfume senegalês. Era assim que Fanta iria. Mas onde é que está Fanta?

Antes tarde do que nunca, diz-se. Chegou, enfim, o régulo. Montado no seu cavalo branco, vestido com um alvíssimo «uarambá» (4), um cinto largo a atar-lhe a cintura, turbante na cabeça, esporas nas botas de montar, o régulo era cópia autêntica de um guerreiro árabe. A sua chegada fez com que a festa redobrasse de entusiasmo, com vivas e palmas prolongadas. Muito atabalhoadamente, foi recebido pelo «maudo» Ibraima, que, conforme é tradição, se curvou a seus pés apertando-lhe a mão com as duas mãos e colocando de seguida a mão direita sobre o peito, em sinal de respeito. O régulo foi cumprimentado por todos os presentes após o que foi conduzido para uma palhota especialmente preparada para a sua recepção. Ali, com a presença de muitas pessoas acocoradas, a tensão era pesada. O silêncio sepulcral que ali reinava e a interrogação constante dos presentes, em murmúrio, fazia adivinhar que algo de anormal estava passando.

O primeiro que falou, para abrir a sessão, foi o régulo. Completamente alheio à situação, disse: - Bem, como sabem, vim hoje a esta povoação para presidir às cerimónias de casamento do meu filho com a filha do «maudo» Ibraima. Pelo que me foi dado a ver lá fora – prosseguiu – os festejos do meu regulado foram bem preparados, o que é bastante animador e encorajador. Estou satisfeito - continuou – com todos vós e vejo que o dote dos cem contos que foi pedido pelo «maudo» Ibraima é insuficiente. Por isso, dou mais cinquenta contos para se poder alimentar condignamente o meu povo aqui reunido. As palavras do régulo foram imediatamente precedidas de acção: cinco notas de dez contos foram depositadas numa tosca mesa de madeira, iluminada por uma baça luz de um candeeiro a petróleo. Com este gesto, a situação piorou tornando-se insuportável. Quem se atreveria a receber mais dinheiro sem, em troca, dar Fanta? Quem seria, dos presentes, aquele que iria dizer ao todo poderoso régulo de quem Fanta desaparecera? Como continuar a esconder as realidades dos factos?

Após rápida meditação, trémulo de raiva pelo desrespeitando procedimento da filha, indeciso e vacilante pela maneira como iria justificar o casamento falhado, «maudo» Ibraima sacou do dinheiro e, com voz rouca e trémula, só se lhe ouviu dizer: - Com licença. E saiu. Lá fora, juntos os «jideus», entregou-lhes o dinheiro explicando-lhes que tinha sido um donativo do régulo, que ficara muito satisfeito com todos pelo grande brilho que vinham dando à festa. Fora, de resto, breve no falar. Decidido e, sem que ninguém notasse por ele, entrou na sua palhota. No interior, só o filho de seis anos dormia, indiferente ao barulho infernal dos festejos. Pegou na sua«longa» (6) já carregada, colocou sob o percutor uma pequena porção de pólvora embrulhada num plástico, baixou o cano com cuidado e saiu. Evitou as dezenas de fogueiras que ainda crepitavam e embrenhou-se na mata. Sozinho, pensou que a acção que iria praticar seria o único caminho que lhe conduziria até Fanta. Supôs que nesse momento devia ela estar junto de «Alá» (7), confessando-se. Entretanto, um estampido surdo interrompeu as suas reflexões. Ibraima, «maudo», jazia agora por terra, inerte e banhado em sangue. Pusera termo à vida. Suicidara-se.

Entretanto no local dos festejos, o régulo, impaciente, vinha há muito aguardando a hora em que a sua já quase nora apareceria a seus pés, de joelhos e coberto com um lençol branco, para o cerimonial do casamento. Um sinal de fadiga e desespero vinha tomando conta dele. Estava sonolento, de tanto esperar. Um ou outro «maudo» que lhe fazia companhia, para quebrar a monotonia, dizia qualquer coisa sem nexo e que escapava a atenção de outros presentes e até do próprio régulo. Lá fora, o barulho aumentara a tal ponto que ninguém dera pelo tempo decorrido sem a aparição da noiva e nem tão pouco ouviram um tiro disparado a poucos metros deles. O dinheiro que receberam do régulo através do agora defunto Ibraima, aumentara a algazarra e o ânimo, também. O régulo, cada vez mais impaciente, rompeu finalmente o silêncio, como de resto já seria de esperar: - Chamai o «maudo» Ibraima. A noite já vai alta e tenho que regressar. Todos os presentes se levantaram ao mesmo tempo, como que impelidos por uma só mola e saíram à procura de «maudo» Ibraima. Todos os componentes da festa foram inquiridos e ninguém sabia dele nem de nada. Tudo agora era mistério! Mistério sobre Fanta, mistério sobre o pai de Fanta, mistério na tabanca de Sintchã.

Tudo parou de repente quando se conheceu o drama do casamento falhado. Nem o rufar do tambor menos aquecido, nem o retinir de uma rabeca menos afinada se ouvia. Tudo era silêncio, desde que chegou ao conhecimento dos festejadores a notícia de que Fanta desaparecera e, com ela, «maudo» Ibraima também. Entretanto, um elemento anónimo correra a informar o régulo do sucedido – do casamento falhado. Do desaparecimento de «maudo» Ibraima. Em traços largos, pôs o régulo ao corrente da situação e uma ira de morte apoderou-se deste. Sentiu-se diminuído, ultrajado e escarnecido. Um suor frio descia-lhe sobre a face negra com barba por fazer. Os olhos vermelhos pareciam deitar fogo. Todos sabiam que o estado de fúria atingiria o seu ponto máximo. E que iria explodir. - Chamai o chefe da tabanca, vociferou o régulo. Este não demorou a aparecer e o régulo gritou: Antes que amanheça quero à minha frente e na minha povoação, a presença de Ibraima sob pena de, sobre ti, tua família e esta tabanca caírem os meus maiores castigos. Acto contínuo, desaparecia na exuridão, não a trote e acompanhado como tinha vindo, mas a galope e só, pois, sentindo-se diminuído, dispensava tais honras.

Fanta, por sua vez, havia deambulado muito desde que deixara a povoação de Afia. Fome e sede começavam a apertar-lhe, mas como tinha a convicção de que fugira de um casamento forçado, redobrava-se de ânimo e de energia. A mente de Fanta estava repleta de ideias, decisões e projectos. Pensava, por exemplo, poder atingir a fronteira da República do Senegal e ali viver, no anonimato, o resto dos seus dias. De outra vez ocorrera-lhe que a melhor coisa a fazer seria apresentar-se ao régulo, pedir-lhe desculpas e explicar a razão da sua atitude. Pensara, certa vez, pôr termo à vida. Enfim, era assim a mente de Fanta – atribulada e confusa. Com passadas largas, lá ia Fanta suportando o grande peso que fora obrigada a carregar. A meio da noite, chegou a uma localidade que a deixou deslumbrada de tanta luz e movimento. Hesitou. Não queria entrar com medo de ser chamada de vadia, fugitiva. Não conhecia a terra, ou melhor, não podia precisar qual era, de momento.

Encostada a uma árvore, coberta por uma penumbra, Fanta apreciava o movimento. Algumas pessoas que por ela passaram perto, em animada conversa, deram-lhe a entender, pelo dialecto, que ali era terra de fulas. Terra de seus parentes. Estremeceu ao pensar em parentes, pois lembrou-se de imediato do seu tio Abibo, do pote que deixara na fonte naquela linda manhã, mas depois manhã cinzenta, fatal. Em Sintchã, onde a festa terminara há muito e se começava agora os preparativos para a debandada, já não crepitavam as fogueiras. Alguns elementos que já se tinham posto em marcha de regresso às suas tabancas, descobriram não muito longe do local donde partiram, um corpo sem vida e intensamente coberto e sobrevoado por abutres. Era «maudo» Ibraima. A «longa» facilitou a identificação do cadáver. Os abutres, privados do banquete gratuito, continuavam a sobrevoar em círculos cada vez mais fechados, assustando os presentes. Avisado sobre o sucedido, apareceu o chefe da tabanca de Sintchã que, em vez de triste, se mostrou triunfante só pelo facto de se ver desembaraçado da tirania do régulo. Mandou imediatamente remover o cadáver para a povoação e daí, sem demora, improvisou uma maca com canas de bambu e fez transportar o corpo para a tabanca do régulo. – Cá está, régulo. As suas ordens estão cumpridas. Este mandou descobrir o cadáver e tendo-o identificado, resmungou quase imperceptivelmente: - As nossas contas estão saldadas, sim…procedei de conformidade com a nossa tradição – rematou. E desapareceu.

«Maudo» Ibraima jazia agora numa pequena mata, junto da palhota que lhe serviu de habitação e, certamente, muito mais arrependido por não ter encontrado, como supunha, a sua filha junto de Alá, confessando. E era ele o autor de todo este drama. Que iria fazer, então, a Alá, sabendo-se de todo culpado? Quanto a Fanta, e depois de várias hesitações, pensativa e cansada, resolveu entrar no povoado, decidida e irremediavelmente sujeita a tudo. Entretanto, foi evitando, tanto quanto possível, passar junto dos candeeiros ou debaixo dos mesmos. Chegou a uma rua cujo pavimento era alcatroado. Apeteceu-lhe deitar-se. Resistiu. Continuou a andar até que, resolutamente, interceptou alguém para saber em que localidade se encontrava. Gabú, disseram-lhe. Terra de fulas, seus parentes. Fanta corou de vergonha porque em tempos já ali tinha estado com os seus pais, de visita a familiares. Tinha que retroceder e já, pois era demasiado conhecida em Gabú. Mas para onde seguir agora? Indecisa, abandonou as luzes, o alcatroado e embrenhou-se de novo na mata. Sem destino como sempre, mas agora mais mentalizada do que nunca em como enfrentar o seu drama e pôr termo ao seu sofrimento. Andava depressa para mais depressa se afastar de Gabú. Era já noite cerrada. Resolveu subir a uma árvore para dormitar um pouco, como habitualmente. Auando acordou ainda era cedo. Pôs-se de novo a caminho. Fanta tinha fome, muito embora fosse alimentando de alguns frutos silvestres. Sol e suor tinham roubado cor às suas vestes. Estava desanimada e arruinada.

EPÍLOGO

Caíra, entretanto, na região onde Fanta se encontrava, uma praga de moscas tsé-tsé que começaram por dizimar os animais e, mesmo as pessoas, as quais morriam numa apatia, numa indiferença total, após fases de sono profundo e insónia completa. Fanta, completamente indefesa, não sobreviveu. Expirou em cima de um pequeno monte coberto de ervas secas. Fora encontrada dias depois rodeada de formigueiros e também de abutres, que lhe assentavam no rosto e no resto do corpo cruéis bicadas. Uma mão carinhosa, anónima, sepultara os restos de Fanta, agora vítima muda e inocente de um drama consumado – o drama do casamento falhado.

GLOSSÁRIO

1 – Músicos
2 – espécie de servos
3 – Homem de certa idade, respeitado
4 – Veste de grande luxo usado por muçulmanos
5 – Espingarda de carregar pela boca
6 - Deus

© António Aly Silva
Lisboa, Fevereiro de 2004

segunda-feira, 3 de maio de 2004

Lembras-te de Bissau?

“Venham daí esses ossos!”. Cruzamo-nos, por acaso, ia eu a atravessar a rua em direcção à fortaleza da Amura. Abraçamo-nos e depois afastou-se. «Olha só para ti, estás um homem!». Este meu amigo costumava parar no bar «Escondidinho» - que fica na esquina da escola «Marques Palmeirim». Chegava de sorriso aberto, ao final da tarde, depois de grandes caminhadas pelo dia e depois de noites que só ele sabia viver. «Já estou de abalada», dizia isso sem ressentimentos nem temor. Aliás, começou a dizê-lo – contaram-me – ia nos quarenta. Durou mais vinte e um; depois, sossegadamente, cerrou as persianas feitas de colmo e foi embora.
E adorava falar de mulheres - «na minha idade é que era, vocês hoje vão para a cama por tudo e por nada». E tinha razão. Estamos sempre a ir para a cama; de manhã, à tarde e à noite. Pela primeira vez ouvi-o falar da violência da terra, dos ardores do sexo e de gente que se maltratava por um corpo quente de mulher. De gente que ele viu matar por um desvio de águas ou pela aleivosia de um dito mal interpretado. O meu amigo não era de percorrer tabernas, não. O «Escondidinho» enchia-lhe as medidas todas e a sandes de linguiça era divinal. Bebia o seu tinto, conversava, rindo de riso breve, ouvindo histórias. Histórias como aquelas que ele próprio contava, bem entendido; e contava-as numa toada lenta e despedida de deselegâncias.
Porém, vivia sempre o seu tempo. Nesse encontro, dois anos antes da sua morte, lembramos muitas coisas. Contou-me que enviuvara há cinco anos. A mulher morreu na sala de operações, em pleno parto, por falha de electricidade. «Ninguém contava com aquilo, foi terrível». Fez-se um silêncio sepulcral. Não consegui olhá-lo olhos nos olhos. Senti-me enfraquecido e a desfalecer e culpado por não saber o que dizer para confortá-lo. «Pelo menos ainda temos o ‘Escondidinho’» - disse-lhe. E fomos entrando. Voltou a desabafar. «Os amigos morreram todos; o Ucha, o Fernandinho, o Sampaio, o Zeca. O último foi o teu pai» - disse-me. O meu pai morrera nesse ano, mais precisamente.
Fiquei então a saber aquilo que anos a fio me apoquentava: ou seja, o que este meu amigo procurava no «Escondidinho»: Letrado, ele procurava a ração de afecto, os gomos de ternura que, confirmou-mo agora, só a sua pacata e recôndita aldeia lhe poderia realmente oferecer. «Bebíamos, de vez por outra mais do que manda a lei do equilíbrio; e, sobretudo conversávamos muito». E nós ouvíamo-lo muitíssimo. Ele percebera que perdera o tom da época; que a sua época era outra e que sobre essa época outra escrevera tudo quanto tinha de escrever. Porém manteve-se interessado. Lia o que os outros escreviam.
Certa tarde – contou-me o senhor Zé do «Escondidinho» - decidiu que chegara a hora de regressar à sua aldeia. E eles iam lá, vê-lo e conversá-lo. «Bebíamos um pouco e devagar». O meu amigo, sábio e antigo, quedava-se agora no batente da porta, no silêncio da tarde, no silêncio de todas as tardes. «Já nem havia palavra, aliás», sussurrou-me o senhor Zé. Depois ergueu-se e, pausadamente, atravessou os umbrais da eternidade.

Até nunca, camarada!

“Deus lhe guarde e proteja na condução do seu rebanho até ao seu destino”. Estas foram as primeiras palavras de um servo do Senhor que abnegadamente se refugia na sua eminente pessoa pedindo protecção e indulgência. Na carta que escreveu ao bispo a pedir ajuda, foi esta pequena frase, a primeira frase, que levantou no cérebro do antigo combatente suspeitas imemoriais, duvidas estranguladoras, incertezas dolorosas. “Não é por acaso que me dirijo à sua pessoa (…) no sentido de encontrar um aconchego e um conforto que possam no mínimo suavizar o meu sofrimento!”.
Depois desfilou um rosário de mágoas. Veio da luta, do mato para a cidade, e vivia perto da catedral de Bissau. O soberbo sobrado colonial que herdara de interposta pessoa, colono, ruíra cinco anos depois. Fora de tal forma maltratada que deu de si. Olhou à volta. Nada. Nem sequer benevolência por parte dos antigos “camaradas de luta”. Apenas olhares e sorrisos cúmplices. Já mais a frio, deitou contas à vida. Com o desaparecimento físico da casa, o nosso homem ficou vetado a uma desgraça inesperada e irreparável, com o desaparecimento de todos os seus haveres, que ficaram soterrados sob grossas camadas de paredes de construção antiga.
“Em complemento da minha apresentação, levo ao conhecimento da sua Reverendíssima que sou aleijado (amputado) da perna esquerda por causa do rebentamento de uma mina e cego da vista do mesmo lado”. Com o desabamento do prédio, nem a canadiana que o ajudava na locomoção e o amparava, foi poupada. E uma andorinha não faz a Primavera. Não. O peso que carrega desde sempre deixara-o desta vez arrumado. Talvez para sempre. E explodiu no último parágrafo. «No tempo do saudoso camarada Cabral, o partido mandava, mas hoje o partido está cheio de burgueses e oportunistas que nem se preocupam com os militantes de base”.
E pergunta. “Somos aqueles que quando começou a luta de libertação, éramos nós e mais ninguém, que hoje em dia somos olhados de soslaio e apelidados de semi-analfabetos, que na nossa plena juventude pegamos em armas ao lado do partido”. E tem razão, mas adiante. “Um camarada utiliza o ‘Pajero’ da empresa ‘Blufo’ e usa e abusa dos cartões de abastecimento nos Armazéns do Povo; aquele outro desviou um camião cheio de gado para os recrutas de Cumére e o que está agora ao lado do chefe tem muitas casas no estrangeiro e corrompe muitos dos nossos camaradas ministros”.
Até que podia continuar a fazer acusações, mas não. Pensou nos outros camaradas, nos muitos que se ficaram pelas doces palavras do comissário político que cursou em Havana ou em Gorky. O que o nosso amigo antigo combatente sonhava e queria ter agora era puder levantar voo, tocar o céu e passar a noite com as estrelas. Depois regressar de mansinho e desfraldar a bandeira da paz. Rematou a carta. “Que Deus nosso Senhor todo poderoso ilumine e dê protecção ao seus Bispado guiando-lhe no caminho da luz para poder conduzir o seu rebanho como bom pastor que é e nós como humildes e obedientes cordeirinhos que somos”. E se eu vos disser que assisti aqui a uma luta pela liberdade?

domingo, 2 de maio de 2004

Liberdade de imprensa deteriorou-se Na Guiné-Bissau e em Cabo Verde

A liberdade de imprensa no mundo deteriorou-se em 2003 pelo segundo ano consecutivo, segundo um estudo realizado pela organização americana Freedom House, que refere casos como a Itália, Rússia, Bolívia, Cabo Verde ou Guiné-Bissau.
O estudo refere-se à imprensa escrita e audiovisual de todo o mundo, dividindo os países em três categorias: os que têm uma imprensa livre, os que têm uma imprensa parcialmente livre, ou os que têm uma imprensa reprimida. Dez países - Bolívia, Bulgária, Cabo Verde, Gabão, Guatemala, Guiné-Bissau, Itália, Moldávia, Marrocos e Filipinas - regrediram, segundo a Freedom House. O Quénia e a Serra Leoa passaram da terceira para a segunda categoria. "Cada vez menos, as pessoas têm nos seus países acesso a uma informação livre de qualquer censura", disse o director executivo da organização, Jennifer Windsor. O estudo sublinha o caso de Itália, onde considera que o chefe do governo, Silvio Berlusconi, procura exercer uma influência indevida sobre a televisão pública, RAI. As condições pioraram também na Rússia, país que já em 2002 tinha sido "despromovido" para a terceira categoria, enquanto que na Bolívia o governo e a oposição ameaçam os jornalistas, levando a que este país descesse para o segundo patamar. Saiba mais em www.freedomhouse.org.

Guiné-Bissau: União Europeia celebra Semana da Europa com ciclo de cinema

A delegação da Comissão Europeia (CE) na Guiné-Bissau inicia segunda-feira um ciclo de cinema europeu, com oito filmes, um dos quais do realizador português Leonel Vieira, no âmbito das celebrações da "Semana da Europa". O embaixador e delegado da CE em Bissau, António Moreira Martins, indicou que, além do ciclo de cinema, que se prolongará até quinta-feira, haverá uma exposição de "Artes & Factos da Guiné-Bissau", e um torneio de Ténis. "É uma forma de celebrar o Dia da Europa (a 08 de Maio) e de, ao mesmo tempo, comemorar a entrada de 10 novos Estados membros na União Europeia", declarou António Martins, lembrando a adesão, sábado, da Polónia, República Checa, Hungria, Eslovénia, Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia, Chipre e Malta. O ciclo de cinema, com entrada gratuita e que decorrerá na sala de espectáculos do Centro Cultural Franco-Guineense de Bissau, contará com a apresentação de oito películas, entre elas "A Selva", de Leonel Vieira, que encerrará o programa.
"Po di Sangui", do guineense Flora Gomes, abrirá segunda-feira o certame, pois o filme foi co-financiado pela Comissão Europeia (CE) e é uma demonstração da vontade dos agora "25" em apoiar a cultura na Guiné-Bissau, sublinhou António Martins. Terça-feira, será a vez de "Saltos Altos", do espanhol Pedro Almodôvar, e de "O Tambor", do realizador alemão Volker Schlondorff, ambos com legendas em francês. No dia seguinte, haverá três filmes: "La Guerre des Boutouns", do francês Yves Robert, "Billy Elliot", do britânico Stephen Daldry, e "Fanny e Alexandre", do sueco Ingmar Bergman, estes dois últimos com legendas em português. Quinta-feira, e antes do filme de Leonel Vieira encerrar o ciclo, será exibido "Roma", do italiano Federico Fellini, que terá também legendas em Português. Paralelamente, no Centro Cultural Português de Bissau, também com estrada gratuita, decorrerá a exposição "Artes & Factos da Guiné- Bissau", com quadros, telas e artesanato típico do país. A decorrer, ainda com entrada gratuita, está já o Torneio de Ténis, que se realiza no Lawn Ténis Clube de Bissau, e cujas finais ocorrerão sexta-feira (femininos) e domingo (masculinos, nas categorias de profissionais e veteranos).

sábado, 1 de maio de 2004

"Os portugueses não devem temer os imigrantes"

O secretário de Estado adjunto do ministro da Presidência mostrou-se hoje confiante na adesão dos imigrantes ao registo prévio nos CTT para legalização daqueles que já fizeram descontos dos seus rendimentos, que vai entrar em vigor segunda-feira. Durante uma visita que realizou a Leiria, para inauguração da Feira Anual da cidade, Feliciano Barreiras Duarte estimou em cerca de 20 mil o número de imigrantes que já realizaram descontos para a Segurança Social e que poderão legalizar-se ao abrigo de um novo decreto da Lei da Imigração. O decreto regulamentar que vai entrar segunda-feira em vigor permite a legalização de todos os imigrantes que tenham entrado em Portugal até ao dia 12 de Março de 2003 e que tenham descontado para a segurança social e para o fisco durante pelo menos 90 dias até essa data. De acordo com Feliciano Duarte, este diploma faz parte de "um pacote global de legislação" para "uma melhor justiça de tratamento para os imigrantes", permitindo ainda a legalização das crianças filhas de imigrantes ilegais nascidas em Portugal até 12 de Março de 2003. "Queremos dar condições aos jovens, prevenindo a marginalidade", justificou Feliciano Duarte, mostrando-se particularmente indignado com o facto de existirem crianças que não usufruem de cuidados de saúde, devido ao medo dos seus pais de serem identificados como imigrantes ilegais. Em paralelo, e "para facilitar o reagrupamento familiar", a lei prevê a legalização dos seus pais, bem como de cônjuges dos portadores de imigrantes que têm autorização de permanência para trabalhar em Portugal. O secretário de Estado destacou que 60 por cento dos imigrantes em Portugal são homens, um sinal de que existem muitas famílias por reagrupar. Para proceder à legalização, os imigrantes terão somente de inscrever-se num balcão dos CTT, num prazo de 45 dias a partir de segunda-feira, apenas munidos do seu passaporte. Posteriormente, as autoridades vão confirmar a inscrição e os dados entregues, autorizando ou não o pedido de legalização, que depois deverá ser formalizado. Sobre o alargamento da União Europeia, com a entrada de dez novos países, Feliciano Barreiras Duarte considerou que se trata de uma "oportunidade" para o país e não um problema. "Os portugueses não devem temer os imigrantes, que vão ser fundamentais para o desenvolvimento do país", salientou o secretário de Estado, comentando a possibilidade de muitos cidadãos daqueles países optarem por vir para Portugal. Recordando que o país não deve ter medo da "mistura de raças" e de "conjugar culturas", Feliciano Duarte confia na integração desses novos imigrantes, até porque existem "muitos trabalhos" que os portugueses já não pretendem realizar, como notam as estatísticas. "A taxa de desemprego nos imigrantes é significativamente mais baixa que nos cidadãos nacionais", sublinhou, embora reconhecendo que a abertura ao alargamento não é consensual na sociedade portuguesa. No entanto, "nenhum Governo pode governar em função de sondagens. Se fizéssemos isso, teríamos o caminho do engenheiro António Guterres, que saiu do país", frisou o secretário de Estado.

Blogue de cultura e também de política

Chegou um blogue para falar de cultura e também despertar consciências nos políticos dos países africanos de língua portuguesa. A verdade é que, passadas que foram três décadas desde as suas independências, nada mais resta. Cada um dos vários governos desses cinco países, cada um à sua maneira, bem entendido, foram os responsaveis pelo descalabro económico dos PALOP. Não há, até agora, melhorias a registar. Surgimos pois, para, pelo menos, tentar despertar as consciências nesses políticos.