quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Quem salva a Cooperação Portuguesa?
Estimado António,
Tenho seguido a sua actividade jornalística mas, infelizmente, quando estive em Bissau estava você em Portugal. Tinha aí uma grande amiga professora no PASEG e por isso estive aí duas vezes (no ano passado e agora este ano). Tenho um familiar em Dacar e aproveitava para visitar essa minha amiga e conhecer Bissau.Como não sou uma mera turista, gosto de ouvir os comentários das pessoas e tentar sentir o pulso verdadeiro duma cidade, para além do que se vê à primeira vista. Talvez seja deformação profissional! Baseado nas histórias que ouvi da minha amiga daí de Bissau e de outras pessoas, bem como dalguma investigação que fiz em Lisboa, escrevi uma crónica informal. Não quero criticar só por criticar, mas é bom conhecer a opinião de quem por aí passa, sem ser "apanhado" por determinadas "obrigações" que quem aí vive, por vezes sobretudo sendo tuga, tem que respeitar. Fica aqui a crónica, se a quiser publicar. É um testemunho que deve ser feito.
Um abraço e até qualquer dia, talvez em Lisboa e continue a ser este António Aly que nos dá prazer ler,
Joana Otchan-Palha (JOP)
Quem salva a Cooperação Portuguesa?
Quem chega a Bissau, vindo de Dacar, após uma curta estadia, rende-se à evidência do mau estado em que se encontra esta terra e quão infrutíferas tem sido as acções da cooperação portuguesa.
Qualquer português da escassa comunidade que aguentou o conflito de 1998/9 e que por cá ficou, apesar das dificuldades, embora sem ser perito nos assuntos da cooperação, não tem dúvidas que as prioridades da Cooperação Portuguesa deveriam ser a Educação, a Saúde e a Cultura e, mais recentemente, a "guerra ao narcotráfico" que está ainda a criar maiores desigualdades na Guiné-Bissau e a minar o seu futuro. Não hesitam mesmo em falar num "Plano Marshall para a Guiné", com o apoio de Portugal e uma larga cooperação internacional.
A cooperação na área educativa conheceu um boom, no pós-conflito, com a implementação do PASEG - Projecto de Apoio ao Sistema de Ensino da Guiné e com umas dezenas de professores portugueses. Só que, após vários anos, não há aumento gradual do número de professores cooperantes, nem o seu alargamento ao interior. Pelo contrário, por razões impenetráveis da administração portuguesa, este ano, o seu número cairá para metade.
Quantos professores portugueses desempregados, mas com qualificações não abraçariam este projecto? E o apregoado "Fundo de 30 milhões" para apoiar a Língua Portuguesa não poderia ser utilizado nesta Missão? A saúde está mal (e não se recomenda!) na Guiné-Bissau. O surto de cólera, com uma elevada taxa de mortalidade, veio confirmar isto!
É verdade que a Cooperação Portuguesa tem procurado ajudar, mas os tais portugueses que por aqui andam, olhando o exemplo francês no Senegal, lamentam que não haja outro hospital a funcionar com mais meios, com mais médicos, enfermeiros e com medicamentos suficientes para fazer face a todas epidemias e doenças vulgares.
Até as farmácias do país são um espelho sintomático do estado da saúde com um mínimo de medicamentos e um aspecto pouco apelativo. A cultura tem sido o patinho feio da Cooperação Portuguesa, entalado progressivamente entre os ministérios da Educação,
da Cultura e dos Negócios Estrangeiros e na dependência do Instituto Camões há largos anos. A já reformada Presidente Simoneta Afonso nunca visitou o país ou se interessou, realmente, em melhorar a imagem da cultura portuguesa e a sua ligação com o meio artístico e intelectual guineense.
O absurdo da exoneração dos Directores dos Centros em Bissau e em São Tomé (os únicos exonerados nos PALOP's, enquanto em Cabo Verde e em Moçambique os seus homólogos já se encontram em funções há quase 6 e 9 anos) foi justificado com uma necessidade de poupança, mas o aumento do número doutros diplomatas em Bissau, contraria esta justificação. Uma decisão, sem critérios e avaliação prévia, tomada levianamente pelo então Ministro Freitas do Amaral, mas sem qualquer oposição da Presidente do Instituto Camões.
Depois do legado de Mário Matos e Lemos que por aqui andou quase 13 anos (e que conheci na sua curta passagem pelo CENJOR), de Daniel da Silva Perdigão e do último director do Centro Cultural Português, Luís Machado, ainda o CCP conseguiu sobreviver, mas hoje, todos lamentam que não haja praticamente jornais portugueses e que muito do que então se fazia não continue e que não se veja já aquele envolvimento dos jovens, apesar do Centro estar renovado e mais apelativo. Faltam as actividades, falta-lhe a gestão necessária, falta-lhe a alma!
Nem todos os diplomatas são bons gestores e programadores culturais e o facto de permanecerem pouco tempo em Bissau também não ajuda, pois os projectos da área cultural e da cooperação necessitam dum seguimento prolongado e de quem esteja profundamente dentro da sua problemática. Que o diga o Secretário de Estado, João Gomes Cravinho, que não permitiu que se tocasse nos responsáveis pela Cooperação nas diferentes Embaixadas (e que haja uma Conselheira em Luanda há 13 anos!).
Em tempo de férias, o Centro de Língua do Instituto Camões estava, merecidamente, em repouso, mas também me dizem que falta a ligação do mesmo com o Centro Cultural, que são "dois irmãos de costas voltadas um para o outro" e que se perde a interacção de meios. Comenta-se que o Instituto Camões já possui três terrenos em Bissau para construir um Centro Cultural de raiz, um projecto que se arrasta há mais de 10 anos. A continuar assim, o Instituto Camões será a primeira agência imobiliária oficial de Bissau! Talvez seja esta uma forma de obter verbas adicionais em tempo de crise global! Entretanto, sem exonerações, sem polémicas e contratempos, o Centro Cultural Francês lá continua de vento em popa.
Com o narcotráfico a aumentar e os problemas económicos sem melhoria à vista, não deveria a Cooperação Portuguesa motivar parceiros europeus e internacionais para se activar um projecto global de intervenção e ajuda à Guiné-Bissau? Quem aqui vive e até quem por aqui passa, só pode apoiar semelhante ideia. Sobretudo porque surgem, aqui e ali, pequenas intervenções sem conexão entre si.
É na noite de Bissau que se compreende que a própria Embaixada portuguesa na capital vive momentos conturbados, onde a vida pessoal e familiar de muitos funcionários já se mistura e influencia negativamente o desempenho e imagem profissionais, desprestigiando quem representa o Estado português. O próprio Embaixador andará por aqui há demasiado tempo, tendo já obtido o recorde de permanência em Bissau, mas seja pelo cansaço, seja pelas peripécias próprias (conflitos com a comunidade e com guineenses importantes) ou pelas alheias, há muito que parece ter perdido o pulso da sua Embaixada.
Não é de espantar que muitas sejam as vozes que clamam: "Quem salva a Cooperação Portuguesa?"
Joana Otchan-Palha
Jornalista freelancer e gestora de comunicação