quinta-feira, 20 de março de 2008

Fogo Amigo

Foto: DIREITOS RESERVADOS - António Aly SilvaPhotobucket

Por: António Aly Silva
Jornalista


A mais recente polémica envolvendo a classe jornalística guineense, é grave e podia incorrer em danos maiores, Contudo, pode ser facilmente explicada. O jornalismo feito em Bissau não é fiável, é suspeito; não honra a sua classe, é influenciável. E selvagem.

A Guiné-Bissau devia ser um case study. Primeiro, porque nunca esteve, ao mesmo tempo, tão rico e tão pobre como hoje – nem tão corrupto. Segundo, porque tem a imprensa mais livre de África e, terceiro, porque nada disto deveria estar a acontecer, ainda por cima com – literalmente – toda a gente como espectador...

Como é possível que um jornalista não investigue uma notícia que lhe é passada – independentemente do seu interesse – e nem a analisa no contexto do tempo em que ela ocorre ou lhe é dada? Como se explica que o jornalista em causa não tente sequer confirmar junto de outras fontes, a veracidade dessa mesma notícia – e, não menos importante, porque não falou ele com o gabinete de imprensa do Estado-Maior General das Forças Armadas? Ou pura e simplesmente o jornalista não terá entendido o conteúdo daquilo que lhe foi dito?

Tive situações semelhantes (com as devidas diferenças, bem entendido) enquanto jornalista do semanário português «O Independente». Quando Ansumane Mané morreu, fui logo «notificado» por uma fonte, por sinal muito bem informada, do acontecido. Ouvi, engoli em seco, agradeci, desliguei o telefone e, num ápice comecei a corrida para a verdadeira cacha: a de confirmar, junto de outras fontes, independentes mas não menos credíveis, uma possível notícia ou não-notícia e/ou uma fraude/armadilha.No caso da morte do general, tratou-se mesmo de uma notícia: verdadeira, confirmada e reconfirmada, depois publicada, com repercussões em todo o mundo.
Contudo, foi uma dor de cabeça convencer o meu editor na altura, e a directora do jornal a publicar a notícia com o devido destaque: Foi manchete do caderno ‘Mundo’. E como se fez isso? Com a língua portuguesa. Escreveu-se: «Ansumane Mané, terá sido morto…», salvando-se assim o dia, a fonte e o que mais houvera.

O lead não acobarda ninguém, bem pelo contrário: salvaguarda o jornalista e o órgão para o qual trabalha, que é o que mais interessa. E dignifica a classe. Ainda assim, tivemos que enfrentar (eu e o jornal) um processo judicial movido pelo ministro da Defesa de Portugal na altura, Castro Caldas, para além de um comunicado escrito e difundido a cada meia hora pela rádio nacional, com a linguagem que se adivinha, do Presidente da República Koumba Yalá a ameaçar com os tribunais, caso as coisas não se ficassem por ali... «Este jornalista é um artista, e se houver por aqui artistas também vamos saber», numa clara indirecta às minhas fontes.
Nunca revelei uma na minha vida de jornalista. São nomes que me acompanharão até ao meu eterno descanso, na minha campa rasa e fria. No caso particular do titular da pasta da Defesa português, a coisa lá se arrastou, tendo há pouco chegado ao fim sem danos de maior para qualquer dos lados, e muito menos os danos colaterais que imagináramos, isto para falar dos advogados do jornal. Kumba Yalá desistiu de levar para a frente os seus intentos, pois também não tinha onde se segurar…

No caso guineense, do alarmante «desarmamento de esquadras», não me cheirou a armadilha, mas sim a precipitação jornalística; não se tratou de uma não-notícia … mas de uma notícia mal entendida. Voilá! É isso, alguns jornalistas entendem mal, levando a que quem os leia caie no descrédito e no ridículo. Basta abrir um jornal ou sintonizar uma estação de rádio, para se perceber como é que se traduzem (!) os noticiários, no caso das rádios; e/ou os textos de português ou sabe-se lá de que língua, no caso dos jornais. Um perfeito disparate, é o que é.

A isto chamo de copiar pela negativa. Não há uma preparação prévia, não se revêem os textos, nenhum apresentador os lê antes de ir para o ar. Nada. Limitam-se, às vezes num perfeito descaramento, a debitar disparate atrás de disparate, perante uma audiência dividida entre aqueles que gabam o apresentador, e os que, como eu, ouvem com espanto e de boca aberta.
Quando um jornal se decide pela publicação do que quer que seja, é bom que tenha onde se agarrar depois. Nada prejudica mais uma publicação, do que cair no descrédito junto dos seus leitores. Ou revelar a fonte de uma informação. Se um jornalista cair na asneira de revelar uma fonte, bem que pode começar a procurar outra profissão… de polícia, por exemplo!

Tenho acompanhado com acentuada preocupação, a situação na Guiné-Bissau. Acompanho o que lhe passa ao perto e ao longe, enxergo o que lhe mal fazem, ocultam, tramam, sonegam, roubam. Percebo onde lhe alvejam, meço o quanto lhe cerceiam ou destroem. Tenho-me contido, não acobardado. Eu sou apenas a favor da Guiné-Bissau. Contra os que lhe mal fazem, os que lhe roubam.

PS – Alguém comentou numa mesa de café, que o «Aly tem sido subserviente ao poder político, anda muito calado». Ora bem. Quanto à minha subserviência ao poder político, «exemplar» ainda por cima, não há muito que dizer: como não assenta em factos, trata-se pois de uma reles calúnia. E às calúnias responde-se com os tribunais, com o desprezo ou com um par de estalos. Sei que não se deve gastar cera com ruins defuntos, mas como esse alguém em causa é pantomineiro e ordinário, vou deixar ao meu humor vagabundo a decisão sobre qual destas formas de retaliação me trará mais prazer e menos incómodo. AAS