segunda-feira, 19 de março de 2012
Ontem
Uma fonte informou-me do assassinato de Samba Djaló. Larguei tudo o que estava a fazer, peguei o meu carro e fui ao local do crime. Sabia onde era. Tinha telefonado a um amigo de uma grande organização internacional a dar-lhe conta do que me tinham dito. Assim que cheguei, reparei em algo estranho. Não havia uma lâmpada acesa, desde a rotunda (Pilum di Riba), até ao 'Sabura'.
Não podendo continuar a marcha, por a tropa ter barrado a estrada com os seus carros, estacionei. Parei o motor, subi os vidros. Ao sair, agarrei na máquina fotográfica. Dei a volta para confirmar se as portas estavam trancadas - e estavam, quando vejo o meu amigo chegar. E logo a seguir aparece um militar de AK-47, a gesticular e a dizer coisas que não consegui perceber. Pelos seus gestos, das duas uma: ou pensava que o condutor ir seguir em frente (o que seria impensável, para além de impossível), ou queria confrontá-lo. Eu meti-me. "Desculpe, amigo, amigo, é fulano de tal...".
"Ah, ok, ok". O meu amigo faz a manobra em marcha-a-ré e estaciona. Assim que chega o militar, cumprimentamo-nos. "O que se passa aqui?" - pergunta o meu amigo. Acreditem que voltei a não perceber nada do que disse o miitar? Mas foi mesmo. "Quem está ali?", o meu amigo voltava à carga. E...nada! Então eu disse-lhe "ouvi dizer que é o Samba Djaló, que foi o chefe da contra-inteligência militar".
- "Não sabemos, porque o corpo está coberto por um pano", disse, e dessa vez foi claro. Percebemos todos. Então, lá foram, ele e o oficial meu amigo. Assim como eu, uns cinco metros atrás, com pézinhos de lã. Queria, para além de tudo, ver o cenário. Todo o cenário. Vi o bastante para uma retirada estratégica. Vi tensão nalguns rostos, noutros vi indiferença total. Depois, ouvi a comunicação com a 'base', e, finalmente, a ordem para se descobrir o mistério: quem seria? Fiz uma chamada. E esperei. Pouco depois retribuem-me a chamada.
Ganho coragem, tirada talvez dos intestinos fraquejantes, e arranco em direcção às armas. Convém aqui dizer que para além de militares e polícias, devidamente identificáveis pelo fardamento, havia pessoas sem uniforme e com Kalahsnikov's (de assalto). Continuei a andar e vejo uma carrinha com os faróis acesos, a focar para uma pequena vala, entalada entre uma 'taberna di Nar' e uma construção paupérrima feita com chapas de zinco enferrujadas.
Assim que levantam o lençol púdico, reparei logo: era ele. "I Samba', diz o oficial que descobriu o cadáver. Estava deitado de barriga para baixo com a cabeça apoiada num braço (terá sido morto pelas costas? É que essa vala leva a um beco que, se me não falha a memória, leva também à casa do malogrado - Samba vivia mesmo por trás, ao lado do famoso - e saudoso, 'Mansa flema'. Vi o suficiente para contar o que acabaram de ler. Mas podiam nem ter lido isto. Por isto.
Assim que vi que era o Samba e me voltei para bater em retirada, fui desoberto por alguém, creio, da segurança ou da polícia Judiciária. Não estava fardado, mas estava armado. "Este aqui é jornalista, conheço-o bem...não o deixem tirar fotografias", gritou e todos voltaram o olhar na minha direcção. E continuou a dizer coisas. Eu disse "não vou tirar fotorafia, estou aqui só para constatar quem foi morto". Ainda antes de acabar o que tinha para dizer...já tinha, não uma, nem duas...mas três pessoas de AK em riste, com ameaças tipo "ainda estás a falar?", ou "desaparece daqui e nem olhes para trás". Fui andando, tentando adivinhar, pelo som das suas botas, se tinham abrandado a marcha ou, se, pelo contrário, ganharam 'asas'.
Felizmente, depois de uns dez metros, pararam de me seguir e limitaram-se a acompanhar-me com a vista. Assim que cheguei ao meu carro e meti a chave na porta, lancei um olhar de soslaio só para me certificar que estava sozinho. E estava. Fiz a inversão de marcha, e zarpei. Nos trinta minutos em que estive nesse lugar, reparei na tensão que alguns deixavam transparecer.
Nesse local, falei com gente que assistiu a tudo e com outros que chegaram logo a seguir. Estou a trabalhar, a colher mais informações. Uma coisa parece certa: este assassinato nada terá que ver com as eleições presidenciais, ontem realizadas.
António Aly Silva
Não podendo continuar a marcha, por a tropa ter barrado a estrada com os seus carros, estacionei. Parei o motor, subi os vidros. Ao sair, agarrei na máquina fotográfica. Dei a volta para confirmar se as portas estavam trancadas - e estavam, quando vejo o meu amigo chegar. E logo a seguir aparece um militar de AK-47, a gesticular e a dizer coisas que não consegui perceber. Pelos seus gestos, das duas uma: ou pensava que o condutor ir seguir em frente (o que seria impensável, para além de impossível), ou queria confrontá-lo. Eu meti-me. "Desculpe, amigo, amigo, é fulano de tal...".
"Ah, ok, ok". O meu amigo faz a manobra em marcha-a-ré e estaciona. Assim que chega o militar, cumprimentamo-nos. "O que se passa aqui?" - pergunta o meu amigo. Acreditem que voltei a não perceber nada do que disse o miitar? Mas foi mesmo. "Quem está ali?", o meu amigo voltava à carga. E...nada! Então eu disse-lhe "ouvi dizer que é o Samba Djaló, que foi o chefe da contra-inteligência militar".
- "Não sabemos, porque o corpo está coberto por um pano", disse, e dessa vez foi claro. Percebemos todos. Então, lá foram, ele e o oficial meu amigo. Assim como eu, uns cinco metros atrás, com pézinhos de lã. Queria, para além de tudo, ver o cenário. Todo o cenário. Vi o bastante para uma retirada estratégica. Vi tensão nalguns rostos, noutros vi indiferença total. Depois, ouvi a comunicação com a 'base', e, finalmente, a ordem para se descobrir o mistério: quem seria? Fiz uma chamada. E esperei. Pouco depois retribuem-me a chamada.
Ganho coragem, tirada talvez dos intestinos fraquejantes, e arranco em direcção às armas. Convém aqui dizer que para além de militares e polícias, devidamente identificáveis pelo fardamento, havia pessoas sem uniforme e com Kalahsnikov's (de assalto). Continuei a andar e vejo uma carrinha com os faróis acesos, a focar para uma pequena vala, entalada entre uma 'taberna di Nar' e uma construção paupérrima feita com chapas de zinco enferrujadas.
Assim que levantam o lençol púdico, reparei logo: era ele. "I Samba', diz o oficial que descobriu o cadáver. Estava deitado de barriga para baixo com a cabeça apoiada num braço (terá sido morto pelas costas? É que essa vala leva a um beco que, se me não falha a memória, leva também à casa do malogrado - Samba vivia mesmo por trás, ao lado do famoso - e saudoso, 'Mansa flema'. Vi o suficiente para contar o que acabaram de ler. Mas podiam nem ter lido isto. Por isto.
Assim que vi que era o Samba e me voltei para bater em retirada, fui desoberto por alguém, creio, da segurança ou da polícia Judiciária. Não estava fardado, mas estava armado. "Este aqui é jornalista, conheço-o bem...não o deixem tirar fotografias", gritou e todos voltaram o olhar na minha direcção. E continuou a dizer coisas. Eu disse "não vou tirar fotorafia, estou aqui só para constatar quem foi morto". Ainda antes de acabar o que tinha para dizer...já tinha, não uma, nem duas...mas três pessoas de AK em riste, com ameaças tipo "ainda estás a falar?", ou "desaparece daqui e nem olhes para trás". Fui andando, tentando adivinhar, pelo som das suas botas, se tinham abrandado a marcha ou, se, pelo contrário, ganharam 'asas'.
Felizmente, depois de uns dez metros, pararam de me seguir e limitaram-se a acompanhar-me com a vista. Assim que cheguei ao meu carro e meti a chave na porta, lancei um olhar de soslaio só para me certificar que estava sozinho. E estava. Fiz a inversão de marcha, e zarpei. Nos trinta minutos em que estive nesse lugar, reparei na tensão que alguns deixavam transparecer.
Nesse local, falei com gente que assistiu a tudo e com outros que chegaram logo a seguir. Estou a trabalhar, a colher mais informações. Uma coisa parece certa: este assassinato nada terá que ver com as eleições presidenciais, ontem realizadas.
António Aly Silva
Esperança na Humanidade
Ontem, perdi o meu ipad. Hoje, ja quase a transferir os 519€ para me enviarem um novo...o telemóvel toca: "Aly, ninguém te telefonou sobre o ipad?". Não - respondi. Pouco depois o telemóvel volta a tocar. E lá fui eu buscar o meu ipad, que deixei no muro do Serviço de Viação, por esquecimento. E cumpri com o prometido. Votei, de certa forma, a ter esperança na Humanidade. Obrigado. AAS
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