sexta-feira, 20 de junho de 2008

Contra vontade

«Há indignação no ar, em Bissau, face a uma atitude do embaixador português para com uma cidadã lusa. Não vou comentar nem “linkar” o caso, precisamente porque já deixou de ser apenas “político-diplomático” para começar a ser pessoal e intestinal. Acho, contudo, interessante que sejam sobretudo guineenses os porta-vozes da indignação (e daí não vem mal nenhum ao mundo). Tecerei apenas algumas considerações genéricas sobre a presença de estrangeiros na capital bissau-guineense. Que fique bem claro que não me refiro a ninguém, nem a nenhum grupo de pessoas, em concreto. Bissau tem 3 tipos de brancos (diplomatas, cooperantes e outros): 1 – os que lá estão porque foram para lá enviados pela instituição/empresa para a qual trabalham; 2 – os que lá estão por dinheiro; 3 – os que lá estão porque gostam de África e/ou da Guiné-Bissau. Os terceiros, a minoria, são os mais discretos no meio desta fauna selvagem que pulula na pequena capital africana. Não dão nas vistas, fazem o seu trabalhinho e vão gozando a vida, contentes por ali estarem, embora admitindo que há locais melhores para se viver. Os primeiros e os segundos são os que causam problemas. São malcriados, trabalham contra-vontade e representam mal os organismos/empresas para os quais trabalham. Lamentam-se a toda a hora de uma terra e de um povo que já carrega nas costas um calvário inteiro. Tornam-se racistas. Armam zaragatas. Fumam droga, bebem alcóol, fazem sexo com quem não devem e passam o tempo procurando esquecer o tempo em que estão – de castigo – em Bissau. Ora, estas pessoas não têm culpa da sua sorte. Se foram parar a Bissau é porque: ou ganhavam mal onde estavam ou não mereceram a confiança dos seus superiores/patrões para ir para locais melhores (“melhores” segundo eles, pois para mim Bissau é a cidade perfeita para se viver). Assim, a culpa das suas atitudes é de quem para lá os enviou, que não deveria ter enviado. Quem, no norte do mundo, faz a escolha dos profissionais a enviar para Bissau devia ser mais criterioso e não mandar para lá qualquer um. Por outro lado, quem para lá é enviado não devia descarrregar angústias e frustrações em cima dos outros. Bissau é uma cidade pouco simpática (na perspectiva desta gente, na minha não), mas nem sempre na vida se pode trabalhar em locais (ditos por estas pessoas) “agradáveis e bonitos”. Não se pode comer bife do lombo todos os dias. Uma bentaninha cozida sem sal, cheia de espinhas e a saber a bolanha não faz mal a ninguém, de vez em quando.»
NOTA: Subscrevo, e assino por baixo. Obrigado.

Matrículas CD - Mas que brincadeira vem a ser isto?

O senhor HAMADI, há muito que deixou o cargo de Cônsul Honorário do Reino de Espanha (ou da Coca-Cola), não se sabe bem.

PERGUNTO AO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
DA GUINÉ-BISSAU:

Agora que o senhor HAMADI já não representa nada, por que motivo conserva a matrícula que lhe dá total imunidade? É vê-lo, imponente, no seu Land-Rover Discovery a pavonear-se pelas ruas de Bissau. A matrícula? CH 2-1 CC. Falta a fotografia da máquina, e da criatura.

P.S. - Na quarta-feira, eu mesmo dei o endereço do meu blogue à ministra guineense dos negócios Estrangeiros. E disse-lhe isto: EU SOU O POLÍCIA DO CORPO DIPLOMÁTICO. E sou.

Os bigodes

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Com o seu ar cinzento, reminiscência de um passado que foi imperial, eles continuam aí! Marca indiscutível do que é ser Português, com P gigante.
Nos bares da cidade, encontram-se nos cantos mais discretos, molhados de cerveja e salgados de mancarra.
Nas discotecas, encontram-se nos cantos mais discretos ou nos limites das pistas de dança, e aí prolongam a soberania através das bajudas ansiosas por uma ou outra nota que lhes dê o passaporte para viver mais um dia. Sim, eu também sei disso: a carne é fraca, a tentação é forte, o calor possui-nos. Todos vivemos pelo mesmo.
Pela tardinha, a sede impera e, antes da farda tirada, chegam a um café para saciar o que o organismo pede. De novo, o banho da cerveja e o sal da mancarra.
Os guineenses que passam são tratados rudemente através de frases que terminam em pá. Outra marca do Português, com P gigante, esta bem mais vergonhosa. Não é culpa dos bigodes. É culpa da educação que não receberam. Só isto lhes aponto, com um dedo qualquer que mostre desagrado.
Passo e recebo deles um sorriso simpático. Simpatizo com eles também. Lembram-me os avós que, no meu bairro de infância, levam os netos às tabernas, depois de almoço, e lhes compram um chocolate enquanto bebem o vinho vermelho escuro por um copo mal lavado.
Se não fosse sentir um arrepio de nudez sob os seus olhares, poderia encontrar ali um amparo paternal, nesta terra que não é minha, mas que amo.
AL.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A ONU - uma manta de retalhos

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Ora cá está um organismo por excelência (gosto da palavra excelência) onde, à sexta-feira, ninguém trabalha depois do almoço. Nos outros dias, dizem-me, nada fazem. Ou melhor, fazem. Fazem pó, muito pó.

1 - Os condutores do sistema das Nações Unidas, parecem uns autênticos malucos na estrada, uns aceleras imberbes. Por onde passam deixam sempre uma nuvem de poeira nas gentes e gentes com um credo na boca. A Divisão de Trânsito da Polícia de Ordem Pública, é claro, deixa passar tudo em claro (perdoem-me a redundância). Porque «são carros com imunidade», disseram-me. Macacos me mordam. Aposto desde já isto: o primeiro carro a aparecer no meu blogue será da ONU;

2 – PERGUNTA INDISCRETA: Há cargos nacionais ocupados por estrangeiros, sem que ninguém dê um pio e peça satisfações. E a ONU na maior, pagando salários sumptuosos a estrangeiros, quando esse dinheiro dava um grande jeito aos nacionais. Era para eles, de facto;

3 – E existe, não me deixarão mentir, uma grande falta de normalidade nessa organização completamente desorganizada.

PS – Se houver, na ONU, alguém que me possa esclarecer me telefone, tá?: (+245) 668 31 13. Ou vai ser preciso organizar uma marcha em frente à vossa sede?
António Aly Silva

O Cônsul que afinal era um cavalo

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Recebi um e-mail. Eu, Aly, recebi um e-mail que mais parece um interrogatório da polícia. Daqueles que eu gosto, desde que me tratem com respeito e coisa e tal. Quero deixar aqui bem claro que muita gente não percebeu o post «Menos ais». Mas como ultimamente tenho andado ocupado a comprar guerras aqui e aly...respondo.
Ler, leram, porque tem havido feedback. Mas que não entenderam, lá isso não entenderam.
Bom, mas o que diz a criatura? Começa por falar do tempo, mas eu já o tinha topado à distância. E quando a moeda cai na ranhura, eis que surge o império em todo o seu esplendor. Aqui vai a minha resposta:
«Caro amigo
Obrigado pelo e-mail. estava mesmo a precisar. A história, como bem sabemos, foi prenhe em impérios. Por todo o lado. De todos os lados. O império português, por quem tu gritas e gesticulas, não passou disso mesmo: de um império. E é - lá está, História. Não me cabe, portanto, julgar o império português, nem outro qualquer. O meu eterno liberalismo tem limites.
Mas como escreveste a um «intelectual» - obrigadinho, pá!, o intelectual (agora sem aspas) escreve-te também (aviso-te já que gosto de reciprocidade).
Isto para te dizer o seguinte: no império romano - esse colossal império, houve de tudo: imperadores inteligentes, outros brilhantes e teve outros que eram... Bom - conta Suetónio (historiador romano 70/160, que viveu na época de pelo menos dois imperadores) - tiveram um que lhes saiu, digamos assim, pela culatra: nomeou cônsul o seu próprio cavalo! Sim, esse idiota do Calígula.
O que se diz é que é a História. Mas, deixa para lá que a história também está cheia de anedotas...

Conversas em família

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Bissau, um mês qualquer entre Maio e Outubro. Choveu toda a manhã. Podia ouvir a chuva bater nas vidraças das janelas e até o murmúrio secreto das pessoas. E sentia o agradável odor do café que a minha Avó preparava todas as manhãs. E só hoje me dei conta de que todas estas pequenas coisas são coisas boas. Desejava chegar aos domingos só para ouvir o ruído do fogão a petróleo e sobretudo a minha Avó a conversar baixinho com o meu Avô. Conversavam acerca do correr dos dias e lembravam-se do tempo em que eram jovens em flor.
Daqueles dias exaltantes, dos bailaricos de rua e de salão. «Foram bons tempos, esses», acrescentava o avô. O meu Avô era um homem pequenino e de mãos bonitas, bem talhadas de resto, pese embora todo o trabalho que suportou durante a sua longa vida. Ainda mantinha uma voz fina, bem modulada. Usava um chapéu branco que, com o passar dos anos, se apresentava todo remendado com arame fino que ele, pachorrentamente, desfiava dos fios de electricidade. Ria muito e com frequência e recusava boleias. O pretexto era sempre o mesmo: «a melhor receita para envelhecer com dignidade é caminhar». E lá ia ele todo pomposo, rua abaixo. Também dizia, a propósito de viver muito (contava na altura cerca de 80anos), que chegara a essa idade porque «gostou muito de mulheres. Ainda gosto, claro. Gosto mas já não posso, se é que me faço entender» - o meu Avô teve muitos filhos e tem-nos visto partir, com dor. Quanto a bebidas, um cálice de whisky por semana, aos domingos, e de um só trago embora se mostre um perito no assunto. «Só se deve beber entre amigos e com amigos. Quando um homem bebe só, algo está mal, algo não vai bem dentro dele». E saiu-se com esta frase lapidar: «quem bebe só está a conviver com a morte que lhe mora na alma» … A minha Avó (que morreu com a respeitável idade de 86 anos) gostava muito do meu Avô. Gostava mesmo muito e dizia-lho sorrindo enlevada (ou embevecida?), não sei bem. E ele manifestava o seu contentamento afagando-lhe as mãos e beijando-a com suavidade na testa enrugada. «Quando a gente não gosta, não deve ocultar os sentimentos e muito menos as emoções». Escutava-os feliz e adormecia no seu colo como uma criança que quer saber coisas sobre as estrelas.
Contei-vos o que sei. Outras mãos escreverão um dia, como todos os outros pormenores, o que falta nesta história.

António Aly Silva
Jornalista
Imagem: pintura de António Aly Silva

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Reforma do Sector de Segurança na Guiné-Bissau

Acompanhe tudo a partir daqui:

http://www.consilium.europa.eu/cms3_fo/showPage.asp?id=1413&mode=g&lang=en

Lembras-te de Bissau?

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“Venham daí esses ossos!”. Cruzamo-nos, por acaso, ia eu a atravessar a rua em direcção à fortaleza da Amura. Abraçamo-nos e depois afastou-se. «Olha só para ti, estás um homem!».
Este meu amigo costumava parar no bar «Escondidinho» – que fica na esquina da escola «Marques Palmeirim». Chegava de sorriso aberto, ao final da tarde, depois de grandes caminhadas pelo dia e depois de noites que só ele sabia viver. «Já estou de abalada», dizia isso sem ressentimentos nem temor. Aliás, começou a dizer isto – contaram-me – ia nos quarenta. Durou mais vinte e um; depois, sossegadamente, cerrou as persianas feitas de colmo e foi embora.
E adorava falar de mulheres - «Na minha idade é que era, vocês hoje vão para a cama por tudo e por nada». E tinha razão. Estamos sempre a ir para a cama; de manhã, à tarde e à noite. Pela primeira vez ouvi-o falar da violência da terra, dos ardores do sexo e de gente que se maltratava por um corpo quente de mulher. De gente que ele viu matar por um desvio de águas ou pela aleivosia de um dito mal interpretado. O meu amigo não era de percorrer tabernas, não. O «Escondidinho» enchia-lhe todas as medidas. Bebia o seu tinto, conversava, rindo de riso breve, ouvindo histórias. Histórias como aquelas que ele próprio contava, bem entendido; e contava-as numa toada lenta e despedida de deselegâncias.
Porém, vivia sempre o seu tempo. Nesse encontro, dois anos antes da sua morte, lembramos muitas coisas. Contou-me que enviuvara há cinco anos. A mulher morreu na sala de operações, em pleno parto, por falha de electricidade. «Ninguém contava com aquilo, foi terrível». Fez-se um silêncio sepulcral. Não consegui olhá-lo olhos nos olhos. Senti-me enfraquecido e a desfalecer e culpado por não saber o que dizer para confortá-lo. «Pelo menos ainda temos o ‘Escondidinho’» - disse-lhe. E fomos entrando. Voltou a desabafar. «Os amigos morreram todos; o Ucha, o Fernandinho...O último foi o teu pai» – disse-me. O meu pai morrera nesse ano, mais precisamente.
Fiquei então a saber aquilo que anos a fio me apoquentava: ou seja, o que este meu amigo procurava no «Escondidinho»: Letrado, ele procurava apenas a ração de afecto, os gomos de ternura que, confirmou-mo um dia, só a sua pacata e recôndita aldeia lhe poderia realmente oferecer. Bebíamos, de vez por outra mais do que manda a lei do equilíbrio; e, sobretudo conversávamos muito. E nós ouvíamo-lo muitíssimo. Ele percebera que perdera o tom da época; que a sua época era outra e que sobre essa época outra escrevera tudo quanto tinha de escrever. Porém manteve-se interessado. Lia o que os outros escreviam.
Certa tarde – contou-me o senhor Zé do «Escondidinho» - decidiu que chegara a hora de regressar à sua aldeia. E eles iam lá, vê-lo e conversá-lo. «Bebíamos agora um pouco e devagar». O meu amigo, sábio e antigo, quedava-se agora no batente da porta, no silêncio da tarde, no silêncio de todas as tardes. «Já nem havia palavra, aliás», sussurrou-me o senhor Zé. Depois, confidenciou-me, «ergueu-se e, pausadamente, atravessou os umbrais da eternidade».
António Aly Silva
Jornalista
Fotografia: (C) AAS

Porque há coisas que encantam nesse ‘tchon’

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“Um agitador cheio de coragem e loucura.” Há quem te qualifique assim (eu, por exemplo). Neste espelho cruel e cómico do que é esta cidade, este país, estas gentes, ficava bem um pouco de cor amena, tons pastel que ajudem a respirar com maior leveza nos dias que correm.
Os sorrisos com que me cruzo todos os dias. Nuns encontro inocência, noutros pura simpatia, noutros a esperança de dias melhores.
E as pessoas andam pelas ruas da cidade. Ninguém sabe para onde vão, donde vêm, o que as move. Mas andam. A cidade acorda bem cedo, bem antes de mim ou de qualquer pessoa que vive sob a protecção dos muros do meu bairro - muros de um mundo que não é este. Cada um luta à sua maneira para sobreviver a mais um dia. Mas luta pacificamente. O que vier, virá!
A força já não está nos olhares. Nem nas mãos, nem em lado nenhum. O trabalho faz-se lentamente. O tempo corre lentamente. O calor vai embora lentamente, ou não vai. A chuva agita apenas um pouco a vida desta gente, pelo menos por enquanto.
A alegria é encontrada nas pequenas coisas. Em coisas tão insignificantes que são ridículas aos olhos de quem aqui não pertence.
Um menino do interior da Guiné-Bissau, dos seus 4 anos, passou uma noite em minha casa, a dormir comigo, porque eu pertenço ao mundo dos que acham que estes pequenos gestos nos resgatarão do egoísmo em que vivemos submergidos. Estava calor, dormimos com o ar condicionado durante a noite toda. No regresso a sua casa, este menino contou aos outros meninos da sua idade que dormiu numa casa linda, cheia de vento. O que há de mais doce do que isto?
Aqui existe muita tristeza, muita miséria a todos os níveis. Mas depois existe aquela pequenina coisa pela qual vale a pena viver: a doçura reembolsada por nada! Há aqui uma magia que encanta. Essa magia está nas pessoas.

Bissau, 18 de Junho de 2008
MeGaMi
Foto: (C)AAS

Os novos colonialistas

África já foi citada de várias maneiras. E feitios. Apontam-lhe defeitos. E depois sugam-lhe até ao tutano, como diria Zeca Afonso. Porém, há uma citação que me atormenta. Tem-me perseguido, aliás, como se de uma sombra se tratasse:

«África não é nada, não faz nada nem nunca conseguirá fazer nada», afirmou Eden Kodjo, na altura secretário-geral da OUA (Organização da Unidade Africana), hoje União Africana graças ao homem dos camelos.

Eden Kodjo continua - volvidos quase trinta anos - dono desta razão sem razão, mas com razão de ser. E que é só esta:

Hoje, a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, estabelecem as regras de uma situação de domínio e exploração de facto, e que consegue ser igual ou pior e de consequências mais funestas do que a escravatura colonial.
António Aly Silva
Jornalista

terça-feira, 17 de junho de 2008

É mesmo.

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Só mesmo um judeu!

Um judeu foi ao jornal pôr o anúncio da morte da mulher:

"Escreva assim: Sara morreu."

O escriturário, muito admirado pergunta: "Mas é só isso?"

Responde o judeu: "Sim, porque senão fica muito caro!".

O escriturário explica-lhe então que paga o mesmo até cinco palavras.

O judeu aproveita:

"Então escreva assim: Sara morreu. Vendo Opel Corsa".

E por estar tudo tenso...

Marque o zero...

Uma executiva de topo de um instituto público (portanto, não se trata de uma guineense...), recém nomeada, faz a sua primeira viagem em trabalho fora da sua cidade. À noite, sentiu-se sozinha e por isso decidiu telefonar a uma empresa de acompanhantes. Diz ela ao telefone:

- "Boa noite. Preciso de uma massagem... Não, espere! Na realidade o que quero é sexo! Uma grande e duradoura sessão de sexo, mas tem de ser agora! Estou a falar a sério! Quero que dure a noite inteira! Estou disposta a fazer de tudo, participar em todas as fantasias que vocês inventarem. Traga tudo o que tiver de acessórios: algemas, chicotes, dildos, pomadas... quero ficar a noite inteira a fazer de tudo! Vamos começar por espalhar mel pelo corpo um do outro. Depois vamos lamber-nos mutuamente... ou será que você tem alguma ideia mais quente? O que acha?

Diz o homem do outro lado da linha:

- "Bem, na verdade parece-me fantástico, mas para chamadas exteriores a senhora precisa de marcar o zero primeiro...

País light

Eterna feminina, a cidade de Bissau tem o gosto da angústia. A angústia de quem não tem a varinha de condão capaz de transformar, por exemplo, uma sandes de peixe frito em maravilhosas costeletas.
Por seu lado e como bom guineense, o J. é antes de mais, um bom machista. É ele quem fixa as regras do jogo. As garinas são sinónimo de panela de caldo di tchebém e brindje de skilon ao fim-de-semana ou, ainda, de uma barriga por engrossar.
«São muitas vezes simples objectos de prazer», fiz notar ao meu amigo, que não me deixou sem o devido troco. «Sobretudo agora, depois de sucessivos anos de orgia de violência, que reduziram o pessoal masculino e fizeram com que a média mulher-homem fosse (ainda) mais dilatada. «A guerra afinal serve para estas coisas…», disse em tom desajeitado. Recordámos então, com aquele sorriso maroto, as filas intermináveis nos Armazéns do Povo e na Socomin e os jogos de futebol de salão nos ringues do agora Ministério das Finanças, e da defunta UDIB (como dói!).
Isto passou-se pouco antes do meu atribulado regresso a Lisboa (nha polícias di luxo…), no mês de Outubro do corrente ano. De volta ao país, voltei a cruzar-me com o J. numa das nossas esquinas. Estava diferente. Deixara crescer o bigode e engordara. Deitava-me agora aquele olhar melancólico e impotente. «É a Bissau a preto-e-branco» – sussurrei-lhe. «Boa mãe para uma imensa minoria e madrasta para a esmagadora maioria».
É que, há dias, há dias em que um dia parece que nunca mais passa. E há vezes em que estes anos todos passaram quase que de repente. «E o guineense comum – barafustou J. – o Zé-povinho, passa por esta vida como um gato – sem deixar marcas». Provocador (como eu, sim, como eu…) olhou à volta, para se certificar que tínhamos todos ouvido, e riu-se durante cerca de 5 minutos. Nem sequer parou de rir quando, em marcha-atrás, um automóvel conduzido por um motorista meio lélé-da-cuca quase lhe partia a perna.
Fiz-lhe notar que Bissau se transformara num parque de diversões, onde os homens são homens, mesmo que não queiram, e as mulheres são mulheres, mesmo que tenham que fingir. As mulheres divertem-se a gritar ou a fechar os olhos para se convencerem que não estão ali. Os homens cerram os dentes e abrem os olhos como prova de coragem. Na realidade, como fica mal gritar – e não foram educados para isso – defendem-se com um sentido de humor tirado dos intestinos fraquejantes. Outra maneira de ser homem é explicar que isto parece mas não é. Quer dizer, parece que podemos morrer, cair, magoarmo-nos, mas não é possível. Que País!...

António Aly Silva
Jornalista

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Menos ais


A palavra «ego», entre outros tantos significados, exprime a ideia de auto-estima. Ora aí está algo que nos anda a fazer falta a todos.
Falta-nos confiança, temos medo de arriscar e andamos todos na encolha. Melhor, tesos. Melhor ainda: f#/”$%s. E temos um problema ancestral: país algum gosta tanto de nós como gostamos dele.
FACTO: É por demais evidente nos países que colonizaram africanos que, regra geral, não vão muito à bola connosco, e, quando vão, dão-nos com os pés...
Sempre foi o drama dos guineenses gostarem mais dos estrangeiros do que os estrangeiros dos guineenses. Por exemplo, gostamos mais dos portugueses do que eles de nós. Gostamos imenso dos franceses (esses presumidos dos franceses?!) e eles não gostam assim tanto de nós. Gostamos até de muitos países que nem sequer nos conhecem quanto mais gostar de nós. Outro exemplo: Os nossos governantes nada fazem para que os guineenses continuem a querer falar português, mas ficamos amuados quando alguém diz que, se calhar, dava-nos mais jeito passar para o francês.
Os amigos escolhem-se e nós temos de escolher os nossos. Porque é que havemos de querer ser amigos de quem não gosta de nós, só porque vivemos uns tempos com eles ou porque falamos a mesma língua?
Guiné-Bissau tem irmãos a mais e amigos a menos. Os amigos escolhem-se e amizade pratica-se. E não se pode amar à distância. É preciso a proximidade, a presença, a prática. Hoje em dia, as «relações históricas» são mesmo isso: história. O presente, com os olhos postos no futuro mostra-nos a cada dia que passa que essas relações devem ser comerciais. Alguém acredita mesmo na caridade pura e simples? Se acredita, não acredita de bom grado.
Aos parceiros da Guiné-Bissau: A vossa relação connosco (a ganância em perder dinheiro, perder tempo e dignidade) parece altamente suspeita aos olhos do cidadão comum mais bem informado... Alguém disse, e bem, que a cada minuto que passa nasce um trouxa.
Aly Silva